Texto: Cláudio Borges
Revisão e Edição: Gustavo Franchini
Foto: Alex Cavalcanti
O mote da nova turnê do Keane – se apresentaram em Curitiba (5/11) e São Paulo (9/11) – é comemorar os 20 anos do álbum, Hopes and Fears (2004). Potente estreia que os catapultou para o sucesso mundial – cerca de seis milhões de cópias vendidas. Sem a tradicional e supervalorizada pontualidade britânica (atrasaram quinze minutos), os ingleses Tom Chaplin (vocal principal e piano), Tim Rice-Oxley (piano, sintetizadores, vocais de apoio), Richard Hughes (bateria e vocais de apoio) e Jesse Quin (baixo, guitarra, piano e vocais de apoio) foram ovacionados por um Vivo Rio lotado, que cantou absolutamente todas as 26 canções apresentadas (duas não constavam no setlist).
Com um pano de fundo apresentando um desenho de prédios, iniciam com “Can´t Stop Now”, “Bend & Break” e “Your Eyes Open”, as primeiras do álbum aniversariante. Não o tocaram na íntegra, como virou praxe em apresentações comemorativas de obras bem-sucedidas ou clássicas. Apenas “On a Day Like Today” foi deixada de fora, um mero detalhe. O repertório contemplou músicas de todos os álbuns. Como é o caso de “Nothing in my Way” e da sacolejante “Spiralling”. Exatamente nessa última, de timbres sintetizados, percebe-se o contraponto necessário à melancolia comandada pelo piano de Tim, tônica de composições como “She Has No Time” e “This is the Last Time”.
Ao apresentar “Sunshine”, Tom fala sobre os vinte anos do debut, avista um fã mais empolgado empunhando um cartaz dizendo que era seu aniversário. Ganhou felicitações do cantor esbanjando simpatia. Ao interagir com o público foi sempre descontraído e desprovido de discursos planejados – reservados apenas para as poucas frases lidas em português. Seus anos de abuso de álcool e drogas ficaram pra trás.
Sobre o palco, seu carisma encanta aqueles que já estão em suas mãos, mas é a voz e a desenvoltura que deixam escancaradas a mudança para melhor. Se no passado era um cantor mediano, sem sequer conseguir dosar sua respiração, sempre aparecendo forte entre uma frase e outra (basta ouvir o aniversariante para ter noção); agora, sua voz soa cristalina e com ótimo alcance, dosando muito bem emoção e técnica em suas interpretações. Como na belíssima “Hamburg Song”, que segundo o cantor “surgiu do período em que estava perdido, logo após o sucesso de Hopes and Fears”. O desajeitado bochechudo de grandes rosáceas deu lugar a um esguio frontman, que não abusa dos tradicionais maneirismos empregados por seus pares mais populares. Há aqui e ali movimentos e timbres a lembrar um bem moderado Freddy Mercury. Bote bem moderado nisso. Tom é o destaque inquestionável, não há dúvidas quanto a isso.
Foto: Alex Cavalcanti
Mas o público merece congratulações por tornar a noite ainda melhor. Diante de inúmeros problemas, o Rio de Janeiro ainda recebe um bom número de shows. Seja devido aos altos custos de produção ou a plateias esvaziadas, muitos produtores optam por deixar a cidade fora dos itinerários de alguns artistas. Por isso foi muito bom ver a casa cheia. Lotada por quem cantou em uníssono cada palavra vinda pelo sistema do som. Ergueu as mãos, fosse para palmas ou expressar emoção (levantar o celular para filmar não conta).
Foi possível enxergar olhos marejados. Outros, fechados, sorvidos em lembranças evocadas por melodias perfurantes. Lágrimas tocando faces. Mãos cruzadas sobre o peito, em uma prece, nada silenciosa, ao recitar a letra de alguma canção guardada do lado esquerdo. Sorrisos alargaram muitos rostos em uma felicidade tão genuína quanto contagiante. Emoções. Todas que cabem em três, quatro ou cinco minutos de canções pop bem adornadas por uma sinceridade, muitas vezes, ingênua.
Alguns consideram brega. Talvez por tocarem um público amplo ou não possuírem o devido verniz cínico necessário para serem enquadradas como construções atemporais. Ou ainda por abordarem temas de uma forma pouco poética e mais coloquial. De qualquer maneira, difícil ficar incólume a “Everybody´s Changing” e “Bad Dream”. Na quase etérea “Untitled 1” desenham contornos distintos e se unem numa comunicação musical mais potente, fugindo do seu padrão habitual. Logo vem outros contrapontos dançantes nas formas de “Perfect Symmetry”, “Is It Any Wonder” e “Crystall Ball”. Essa última com alguns toques de New Order.
O show parecia não ter fim, mas ele deu as caras com o primeiro e maior hit do quarteto: “Somewhere Only We Know”. Cada palavra e som foram entoados perfeitamente por um coro de vozes predominantemente femininas.
A volta traz um entusiasmado Tom acreditando tocar em uma casa maior do que as de visitas anteriores a cidade. “Quem sabe daqui a vinte anos estaremos em estádios”, diz em tom brincalhão. Na verdade, o Vivo Rio é a menor casa de suas quatro apresentações (cerca de quatro mil pessoas). Abrindo para o Maroon 5, em 2012, estavam no HSBC Arena (hoje Farmasi Arena) de capacidade para quinze mil pagantes. Nos shows solos anteriores, 2007 e 2009, o palco foi o do Metropolitan (hoje Qualistage), cuja capacidade é de oito mil e quinhentas pessoas. Ainda bem que o carisma é maior que sua percepção espacial.
Avista outro cartaz, dessa vez pedindo para tocar o lado B “Snowed Under” (fora do setlist). Troca olhares com os outros músicos e, mesmo tocando metade da canção, o pedido foi atendido. Nada como fazer um, ou mais fãs, voltarem ainda mais felizes para suas casas.
Quem disse que terminou? A ótima “Sovereign Light Café” precede outro momento fora do setlist: o hit “Under Pressure”, do Queen com David Bowie. Ótima execução para uma antológica parceria entre dois dos maiores artistas vindos do Reino Unido. O canto do cisne vem com uma de suas mais intensas e belas canções: “Bedshaped”. Auxiliados pela ótima iluminação a ilustrar cada verso, encerraram as mais de duas horas de show mostrando o lado mais criativo e, até certo ponto, mais imprevisível com o uso de nuances progressivas.
Keane poderia ter facilmente se tornado um Coldplay da série B – há quem os considere assim. Há proximidade em alguns aspectos (emoção a flor da pele, pianos em profusão, apelo dramático para massas); até o fato de Tim ter sido convidado para o posto de pianista da banda de Chris Martin, em um embrionário estágio do Keane, os aproxima. Mas o quarteto segue a sua trajetória sem se importar com os rótulos ou críticas desabonadoras, e visa a longevidade de sinceras canções. Por isso tocam tantos corações. O lugar conhecido somente por nós.
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a Midiorama e Move Concerts pela parceria, confiança e credibilidade dada à equipe do Universo do Rock.
Foto: Alex Cavalcanti
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