Os Paralamas do Sucesso festejam 40 anos de carreira esbanjando clássicos no Rio

Por Cláudio Borges


Um show d´Os Paralamas do Sucesso é como reencontrar aquele amigo de longa data e ser abraçado por dezenas de clássicos. Celebrando 40 anos de carreira, Herbert Viana (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria e vocais) – acompanhados pelos músicos de longa data João Fera (teclados), Monteiro Jr (Saxofone) e Bidu Cordeiro (trombone) – espremeram 29 músicas em quase duas horas de uma festa com pouquíssimas interrupções. É nesse clima que o reencontro acontece.

O tempo é marcante. Ele pode dar forma a encontros, produzir lembranças que conduzem a lugares e situações preenchidas com as mais variadas emoções e sensações. Um perfume evoca alguém. Uma música traz de volta um lugar, uma hora do dia, um beijo, um sabor ainda não repetido ou apenas saudade.

Após quarenta minutos de atraso e ao som de “Baba O’Riley”, do The Who, o trio abre com a responsável por iniciar as quatro décadas dessa bem sucedida carreira: “Vital e sua Moto”. O single do debut, Cinema Mudo (1983), transporta as cerca de cinco mil pessoas para uma época onde as agruras de um jovem de classe média eram “passar de um ônibus pro outro” até “se sentir total com seu sonho de metal”. Emendam mais duas do mesmo álbum até chegarem em “Ska”, de O Passo do Lui (1984). Ufa, quatro músicas tocadas de forma mais rápida que suas versões de estúdio. Algo incomum para bandas com esse tempo de estrada e que mantêm a mesma formação. A única alteração foi antes de registrarem sua estreia fonográfica, quando Barone substituiu Vital Dias, o mesmo a inspirar o primeiro sucesso e que faleceu em 2015.

O motor do trio, Barone, dita a velocidade da apresentação sem dar folga a Bi, que precisa movimentar seus dedos mais rápido que o de costume. Mesmo as mais ritmadas “Bora Bora” e “Lourinha Bombril” estavam aditivadas. Herbert apresenta mais dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio entre a sua forma de cantar e a velocidade do baterista. “Calibre” é a primeira a deixar mais nítido esse quase descompasso. Com citação de “Voodoo Chile” (Jimi Hendrix), o raio x da vida em uma violenta metrópole (Há quanto tempo você sente medo? / Quantos amigos você já perdeu) soa um tanto confusa, ainda que cheia de vitalidade.

Há velocidade de sobra quando adentram o caminho das músicas mais lentas. As baladas “Aonde quer que eu vá” e “Lanterna dos Afogados” sofreram alterações significativas que, por pouco, não tiraram seus brilhos. A primeira, uma das mais belas composições de Herbert, teve suas nuances diminuídas pela mudança do tempo em que foi executada. Já a força da popularidade da segunda fez com que o público a entoasse no tempo de sua versão difundida ao longo de décadas, mas Herbert alongava as palavras, mudando a melodia vocal para conseguir cantar na velocidade ditada pela bateria. Essa quase colisão por pouco não descarrilhou a tão bela canção, mas a locomotiva chegou ao destino sã e salva. E ovacionada.


A impressão de corrida contra o tempo para poder apresentar o show em sua completude é nítida sem que isso se torne um problema. A velocidade arrefeceu para a gostosa “O amor não sabe esperar”. Nem a ausência de Marisa Monte foi sentida.

Numa das poucas falas entre as músicas, Herbert convida ao palco Vicente Barone (filho do João) para empunhar as baquetas. O jovem se sai muito bem em “Assaltaram a Gramática” e enche o sorridente pai de orgulho; se houver necessidade, seu substituto está pronto. Para um dos melhores bateristas do país a tarefa de dar continuidade a seu legado está cumprida. O tempo agindo em sua inexorável fluidez.

Pequena pausa nessa fluidez para voltar até o longínquo 1986 quando Selvagem? foi lançado.

O terceiro álbum representou uma quebra de paradigmas para o trio e para o rock/pop brasileiro. À época, as lentes do rock nacional miravam e sugavam sonoridades de artistas norte-americanos e britânicos. A estética “dark” – um amálgama do new wave, pós-punk e rock gótico – reinava em bandas como Legião Urbana (The Smiths, U2, Joy Division), Titãs (Gang of Four, Talking Heads, Specials) e Plebe Rude (Killing Joke, The Clash).

Até o trio deu seus primeiros passos sob forte influência do The Police. O trio inglês incorporava reggae à energia do punk e obteve resultados bem particulares. É perceptível a influência de Sting e cia em Cinema Mudo e O Passo do Lui. Tanto que ganharam a alcunha de “Police brasileiro”. Elogioso? Nem tanto. Depois do “rock de bermudas” – forma jocosa pela qual a imprensa paulistana tratava as bandas cariocas –, ser chamado dessa maneira os prendia como uma camisa de força. Selvagem? desvencilhou-os dessa armadilha ao apostar em ritmos caribenhos e africanos. Nascia um dos álbuns mais importantes do pop-rock brasileiro e abriu-se o caminho para o desenvolvimento de uma das mais criativas bandas nascidas no Brasil.

Mesmo que o bom humor de “Melô do Marinheiro” mantivesse um elo com a verve divertida dos álbuns anteriores ao narrar de forma gaiata as intempéries de um marinheiro de primeira viagem, a aproximação com Gilberto Gil e, por conseguinte, com a MPB, era algo a ser evitado, até execrado, segundo os ditames da nova geração roqueira. Com Gil compuseram “A Novidade” e cantaram “Alagados”, um relato poético e contundente da vida nas favelas cariocas (E a cidade / Que tem braços abertos num cartão-postal /Com os punhos fechados da vida real / Lhe nega oportunidades / Mostra a face dura do mal). Apontavam uma preocupação com o social que seria, também, uma constante em trabalhos posteriores. Difícil ficar incólume aos versos da letra de Gil quando Herbert entoa “Ó mundo tão desigual / Tudo é tão desigual /De um lado este carnaval / De outro a fome total”.


As três são apresentadas em sequência e colocam todos, mais uma vez, a cantar e dançar. Difícil ficar parado com uma sequência dessas. Para encerrar a primeira parte, “Óculos” deixa quem já passou dos cinquenta mais próximo dos bailinhos da adolescência perdida, mas não esquecida, nas areias movediças do tempo.

Pequeníssimo intervalo e estão de volta. Barone apresenta os fiéis músicos de apoio e torce para que a Arena do Jockey continue montada e a trazer shows e atividades culturais.

Estruturada entre as pistas de corrida do Jockey Club Brasileiro, na Gávea, a Arena Jockey tem sido palco de shows tão diversos como os de Roberto Carlos, Caetano Veloso, Dado Villa-Lobos & Marcelo Bonfá, Titãs Encontro e Adriana Calcanhoto. A programação segue até o final de dezembro com Marisa Monte, Maria Bethânia, Ritchie e David Guetta. Esse ótimo espaço não deve ser desperdiçado, a cidade e os cariocas merecem mais lugares onde cultura possa ser difundida e apreciada.

Ao longo da trajetória do trio ficou claro como Herbert mirava tanto os pés e quadris quanto o poder de refletir sobre questões universais como o amor, assim como olha os problemas da realidade brasileira. “Perplexo” sacoleja e faz pensar ao se defrontar com situações de um país sem perspectivas para muitos. Mesmo tendo sido lançada em 1989, continua a reverberar com força (Desempregado, despejado, sem ter onde cair morto / Endividado sem ter mais com que pagar). O verso final empunha a certeza de ir adiante em meio a tanta adversidade, pois apesar de tudo “eu ainda estou vivo”. A frase, diante da realidade de Herbert pós-acidente, ganha novo sentido. Sentido expresso a cada nova nota de sua guitarra e pela garra de superar suas limitações. Inegável que o suporte recebido no palco e fora dele por seus parceiros de música e vida foi e é fundamental. Transformando a frase final de “Meu Erro” de uma súplica amorosa para um continuado desejo em vê-los sempre unidos: Não me abandone(m) jamais.


Veja galeria de fotos do show (Os Paralamas do Sucesso/RJ):


Setlist Os Paralamas do Sucesso (Arena Jockey/ Rio de Janeiro):

1 – Vital e Sua Moto
2 – Patrulha Noturna
3 – Cinema Mudo
4 – Ska
5 – Bora Bora
6 – Lourinha Bombril
7 – Trac-Trac
8 – Calibre (intro de “Voodoo Chile”)
9 – Selvagem (citação de “Polícia”)
10 – Mensagem de Amor
11 – Cuide Bem do seu Amor
12 – Tendo a Lua
13 – Aonde quer que eu vá
14 – Lanterna dos Afogados
15 – O Amor não sabe esperar
16 – Assaltaram a Gramática
17 – La Bella Luna Você
18 – O Beco
19 – A Novidade
20 – Melô do Marinheiro
21 – Alagados (citação de “Sociedade Alternativa”)
22 – Uma brasileira
23 – Óculos
BIS
24 – Perplexo
25 – Romance ideal
26 – Ela disse adeus
27 – Caleidoscópio
28 – Meu Erro


1 Comentário

  1. Cláudio falou tudo, sou apaixonada, acompanho por uma vida a tragetoria do Paralamas, sou muito selvagem, eles são únicos e amo de paixão!❤️

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