Por: Mateus Murozaki
Não é incomum vermos álbums sendo ignorados e rejeitados pela crítica e público na sua época de lançamento, apenas para crescerem e ganharem um status de clássico com o passar do tempo. É incomum, porém, um álbum ser destruído pela crítica e público, vender miseravelmente e causar um hiato na banda, e então atingir um status de obra-prima, e, no caminho, influenciar toda uma geração de jovens ansiosos. Esse é o caso de Pinkerton, segundo álbum da banda californiana de rock alternativo Weezer, que completa, hoje, 20 anos.
Contexto é importante nesse caso. O álbum de estreia homônimo da banda (comumente referido como “The Blue Album”), foi um sucesso, pois apresentou um som limpo e vitorioso nos seus arranjos de guitarra, mesclados com letras recheadas de ironia e dúvidas adolescentes que muitos jovens da época poderiam se identificar. Singles como “Buddy Holy” e “Say It AIn’t So” catapultaram a banda à fama quase que imediatamente.
Quando foram promover o álbum, porém, as coisas ficaram mais amargas. A pressão de ser um astro acabou deixando o líder Rivers Cuomo exausto, e uma vez que a turnê foi finalizada, ele se refugiou em Harvard por um semestre para esquecer o glamour de ser um rockstar e trabalhar nas canções do álbum seguinte.
Inicialmente planejando fazer uma rock-opera de ficção científica chamada “Songs from the Black Hole”, Rivers logo se viu em um lugar obscuro quando se submeteu à uma cirurgia para consertar uma pequena deficiência na sua perna. Em suas próprias palavras, “o conceito de uma rock opera parecia muito bobo para o lugar em que eu estava naquele momento”. Rivers decidiu então canalizar suas energias e todas as suas frustrações em um álbum devastador onde ele não teria lugar para se esconder. Um ano depois, Pinkerton seria lançado.
Muitos especialistas culpam essa mudança drástica de tom pelo fracasso do álbum na época. Os fãs da banda adoravam o primeiro álbum pela sua personalidade “geek” e desajeitada. Quando o público foi checar o novo álbum, e se deparou com Rivers, em um tom sério, cantando sobre a banalidade do sexo com suas fãs na faixa de abertura “Tired of Sex”, o choque foi grande. Quando algo assim acontece, é difícil considerar a qualidade da música ali presente. Se no álbum de estreia Rivers se apresentava como um jovem introvertido contando histórias de amor fracassado que todos podíamos nos identificar, aqui ele tomava o lugar de um ser selvagem, rastejando e implorando para que alguém o ame.
Ouvindo ao álbum hoje, percebe-se que é o liricismo intensamente emotivo e visceral que o eleva ao status de obra-prima. Muitos reclamavam (e ainda reclamam) de que as letras mostram apenas uma atitude chorosa por parte de Cuomo, mas é necessário muita coragem para expor ao mundo suas fantasias sexuais para com uma menina japonesa de 18 anos. Rivers não canta sobre sua necessidade de amor de uma maneira simples, ele grita com voracidade na esperança de que alguém o ouça.
Mais do que suas emoções, Rivers também expões aqui todas as suas inseguranças em momentos reveladores, como em “Across the Sea” onde ele diz “É tudo sua culpa, mamãe”, ou no meio de El Scorcho, “Eu não consigo falar sobre isso, eu preciso cantar sobre isso, e fazer um álbum”. Há também uma bela sutileza no refrão de Falling for You, onde o vocalista diz “Meu amor, eu temo que estou me apaixonando por você”.
Não que o humor presente no álbum de estreia não esteja presente aqui, pois está. El Scorcho, o single principal do álbum, parece uma canção paródia até seu breakdown na metade da música, e The Good Life é tão divertida quanto qualquer música do Blue Album. Pink Triangle retrata uma pequena desventura amorosa de Rivers com uma lésbica e é talvez o ponto mais bem humorado do álbum, com seu refrão “Eu sou idiota! Ela é uma lésbica!”.
Mas mais do que as letras, o álbum também é incrível musicalmente. Muito se fala sobre como as canções são repetitivas, com riffs pesados e estruturas simples, mas há muito escondido por trás disso. Perceba como a banda contrói uma tensão crescente a cada refrão da música “Getchoo”, e como essa tensão só vai ser liberada ao final de “Across the Sea”, três faixas depois, em um crescendo que pode passar despercebido.
Grande parte do sucesso e da propulsão das músicas se dá devido à percussão. O ex-baixista Matt Sharp, além de seus expressivos backing vocals, complementa todas as músicas com uma base complexa e hipnótica, mas não menos potente, enquanto Pat Wilson controla todas as viradas de ritmo das canções com maestria, como acontece na ponte que antecede o explosivo último terço de “Across the Sea”. Uma combinação que muitos fãs lamentam não ter continuado.
É difícil julgar Pinkerton sem levar em consideração uma série de fatores externos. Estaríamos considerando o álbum uma obra-prima caso não tivesse sido um fracasso no seu lançamento? E estaríamos falando tão bem caso a carreira posterior do Weezer não tivesse sido tão inconsistente? Difícil dizer, mas a verdade é uma só: as 10 faixas aqui presentes têm algo de especial, e principalmente algo real, contido nelas. Não à toa, Pinkerton é considerado como um dos precursores do estilo pop punk.
O álbum marcou um período negro na história da banda. Tensões entre os membros causaram a saída de Matt Sharp, e depois de um acidente de ônibus vitimar duas amigas próximas e fundadoras do fã-clube da banda, Weezer entraria em um hiato até 2001, onde lançaria seu segundo álbum homônimo, e seguiria com uma série de álbuns que variam do razoável ao péssimo. A verdade é que mais dores do que graças vieram por causa de Pinkerton, mas não podemos reclamar, pois, afinal, o produto continua sendo uma das principais obras-primas da década de 90.
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