Por Gustavo Franchini
Há quem diga que o rock é coisa do passado, mas artistas icônicos como Slash deixam claro que, enquanto houverem fãs da boa música e atitude genuína das bandas, sempre terá espaço para o rock, heavy metal e derivados. O músico, que se destacou com o Guns N’ Roses na década de 90, demonstra na prática que não precisa mais estar atrelado ao grupo que lhe rendeu tanto sucesso para atrair o público geral. O repertório dos shows de seus projetos solo que outrora era composto por metade de músicas de Axl e Cia, hoje em dia se resume apenas a uma canção que nunca era tocada ao vivo, “Don’t Damn Me”. Ou seja, ponto positivo por escolher focar em sua identidade própria, o que é bastante reforçado por tantos riffs que remetem ao som característico de sua pegada na guitarra.
E a escolha pelo excelente vocalista Myles Kennedy como frontman, em uma parceria bem mais pacífica do que estava acostumado com sua famosa banda, se mostrou muito certeira. O norte-americano, além de extremamente competente tanto em estúdio quanto ao vivo, é ainda humilde e carinhoso com os fãs. Durante toda a apresentação de Slash featuring Myles Kennedy & The Conspirators (nome que foi dado ao projeto paralelo que foi iniciado em 2012, considerado o mais prolífico se comparado ao Slash’s Snakepit, Velvet Revolver e os dois álbuns lançados apenas com o seu nome), o que era possível observar em cada uma das execuções musicais da noite, é que Myles se comporta como um profissional, experiente e educado com as palavras, sempre reverenciando os companheiros de banda e não apelando para malabarismos vocais com intuito de chamar a atenção. Muito pelo contrário, é bem comedido e de certa maneira introspectivo, quase que tímido, o que faz jus à algumas entrevistas que já realizou, nas quais comenta sobre o poder dos shows como um caminho para vencer tais obstáculos.
Tal junção de dois músicos maravilhosos, ambos reservados e com profundo respeito pelo público fiel que sempre se esforça para comparecer nas oportunidades em que estão no Brasil, que não são tantas como desejariam, é a fórmula ideal para um verdadeiro show de rock. A reciprocidade é claramente vista ao se ver/ouvir a plateia cantando todas as letras, pulando, gritando elogios e acompanhando todos os pedidos de agitação com as mãos. Realmente torna a noite ainda mais especial!
Apesar de uma produção mais crua e direta, sem nada extra além de uma iluminação simples e bem organizada, o que na realidade é a essência do rock das antigas, toda a atenção é voltada para a qualidade dos integrantes, que a momento algum fogem do serviço. Com uma cozinha bem entrosada, completada por Todd Kerns no baixo (e também vocal em três músicas, além de backing em tons mais agudos), Frank Sidoris na guitarra base e Brent Fitz nas baquetas, o quinteto exala técnica e, ao mesmo tempo, não deixa de lado o feeling necessário para emocionar. A turnê, como o próprio nome diz, é baseada no lançamento mais recente, 4 (2022), mas toda a discografia foi percorrida em canções de destaque, somado a covers que combinam com o estilo de Slash, o que fez com que o setlist fosse bem coeso e diversificado, em nenhum momento perdendo o ritmo estrutural.
O show de abertura ficou por conta dos americanos do Velvet Chains com seu hard rock autoral inspirado nos anos 2000. Altos e baixos descrevem a apresentação que agradou a uma parcela dos que já estavam presentes, mas não empolgou em certas canções que merecem ser devidamente amadurecidas para que a banda consiga deslanchar no cenário. Contudo, me parecem bons músicos e que com certeza tem potencial para algo mais grandioso!
Pontualmente, após o tema do filme O Enigma de Outro Mundo (clássico cult do cinema de terror, de 1982, gênero que Slash adora), o headliner da noite surge ao palco soltando o single “The River Is Rising”, também nome da turnê, uma canção que é a união perfeita entre o estilo de Slash e Myles Kennedy. Logo em seguida vem a poderosa e cadenciada “Driving Rain”, emendando com “Halo” e “Too Far Gone”, antes de “Back From Cali”, que com sua intro e refrão bem marcantes já captou o ouvido dos presentes que ousaram tentar se distrair. “Whatever Gets You By” e “C’est la vie” ligaram o botão de Myles e fez com que começasse a interagir verbalmente com todos, que só aguardavam por esse momento como se fosse um aval para vociferar seu nome. “Actions Speak Louder Than Words” pareceu ser a menos conhecida desta primeira parte do show (mesmo com um solo fantástico), considerando que tudo ficou um pouco mais morno, o que rapidamente foi reerguido com o cover de Lenny Kravitz, “Always on the Run”, esta contando com Todd Kerns no vocal, que parecia um adolescente com tanta empolgação no palco, enquanto Myles descansava para voltar com força total para o que viria a seguir.
A noite estava só começando e a primeira balada surgiu com a ótima “Bent to Fly”, logo voltando pra um som mais clássico de Slash com “Sugar Cane” e um dos riffs mais interessantes com “Spirit Love”, que lembra harmonias egípcias. “Speed Parade” remete ao som de Appetite for Destruction, enquanto que “We Will Roam” tem uma pegada mais comercial, o que de modo algum tira o mérito da canção. Como citado acima, “Don’t Damn Me”, a única do Guns presente no show, cantada novamente por Todd Kerns, que encaixou bem com o vocal original mais cru de Axl.
Então, a terceira parte do show traria uma pedrada atrás da outra, com as canções mais famosas do guitarrista, seja com a sensacional “Starlight” ou mesmo com “Wicked Stone” que surpreendeu a todos ao ter o solo mais longo de Slash de toda a noite. Sim, foram quase 10 minutos de improvisações e, curiosamente, a animação do público foi crescendo a cada nota, o que mostra como Slash sabe percorrer as fases de seus solos estendidos sem deixar a peteca cair. Um dos grandes momentos do espetáculo!
Com seu riff a la Slash, “April Fool” abriu espaço para uma das canções mais lindas em termos líricos, “Fill My World”, que emocionou o público e de fato lembra o trabalho de Myles com o Alter Bridge. “Doctor Alibi” tem a volta de Todd Kerns no vocal, que conquistou a plateia com seu carisma. E aí vieram as animadas “You’re a Lie” e “World on Fire”, novamente com Slash prolongando o solo e desta vez resolvendo falar pela primeira vez, agradecendo ao público e apresentando a banda.
No bis, a grande surpresa da noite: uma belíssima versão de “Rocket Man” (Elton John) com Slash tocando na guitarra havaiana de colo (‘lap steel’), Brent Fritz no teclado e Myles mostrando uma verdadeira maestria ao cantar a melodia vocal, o que deixa claro como sua voz encaixa bem em qualquer gênero musical. Por fim, a mais esperada, “Anastasia”, que com seu riff poderoso encerrou o show da melhor maneira possível e já gerou expectativa para uma possível passagem futura da banda por terras tupiniquins.
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a Trovoa Comunicação pela parceria, confiança e credibilidade dada à equipe do Universo do Rock.
Veja galeria de fotos do show (Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators/ RJ):
Veja galeria de fotos do show (Velvet Chains/ RJ):
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