Texto, Revisão e Edição: Gustavo Franchini
Depois de tantas décadas de carreira, turnês imensas rodando o mundo inteiro e uma legião de fãs leais, a entidade Iron Maiden, considerada por muitos a maior de todos os tempos no heavy metal e principal responsável pelo primeiro contato com o gênero, é praticamente uma unanimidade quando se trata de adoração por parte do público brasileiro. Talvez por isso o show do Rock in Rio em 2001 é declarado pela banda como o maior que já fizeram, ou por sempre marcarem presença aqui em todas as turnês mundiais após tal evento, visto que lotam estádios com certa facilidade. E não foi diferente na noite de sábado (07), no Allianz Parque, esgotando todos os ingressos bem antes do evento.
E os maidenmaníacos sequer sabiam que aquela noite seria ainda mais especial e realmente única. Conforme anúncio do próprio baterista Nicko McBrain (há 42 anos na banda), chegou o momento de se aposentar dos palcos e simplesmente o último show da turnê The Future Past seria a última performace ao vivo dele com o Iron Maiden. Sim, os brasileiros tiveram a honra de fazerem parte de um momento tão marcante (e necessário) como este. Algo até esperado, pois Nicko desde o ano passado vinha enfrentando dificuldades para reproduzir as linhas que ele mesmo criou, após passar por problemas graves de saúde que se somaram à idade avançada. Respeito máximo por um profissional que, além do seu carisma e simpatia inegáveis, também é um dos músicos mais influentes na cena. Dono de uma técnica bem particular (ao contrário de muitos bateristas de metal, ele não utiliza bumbo duplo e tem uma pegada bem precisa em cada nota seca), talvez não quisesse entregar aos fãs algo que não estivesse à altura do que sempre foi; um verdadeiro gênio do instrumento.
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A abertura deste espetáculo ficou por conta da Volbeat, banda esta que pode ser uma surpresa para os brasileiros (tocaram no Lollapalooza 2018, mas ainda são desconhecidos por aqui), mas no mercado europeu são impactantes com sua sonoridade bem thrash tradicional, claramente com base no Metallica. Em um misto de canções originais com uma roupagem moderna, demonstraram sua qualidade e com certeza terão espaço para outras passagens por aqui, considerando que foram bem elogiados pela crítica de modo geral.
Ao som de “Doctor Doctor” (UFO), todos já estavam aos berros, alguns até chorando antecipadamente, sorrisos no rosto contemplando cada palavra da letra da canção favorita do líder e baixista Steve Harris, que já disse em diversas entrevistas o quanto o som do Iron Maiden foi influenciado pela banda londrina. E para se adequar à ambientação da turnê, o tema do clássico filme Blade Runner, que é a inspiração para o álbum Somewhere In Time (1986) é tocado no PA junto com luzes azul clara neon no alto do palco. Naquele instante, todos sabiam o que estava por vir: “Caught Somewhere in Time”, que teve a introdução em sampler e após uma pequena pirotecnia com fumaça o sexteto entra com todo vigor.
O mestre Bruce Dickinson aparece com óculos devidamente futurista e mostra para o que veio com seu vozeirão aos 66 anos de idade, algo incrível de se prestigiar. Ainda cantando no tom original (muitos jovens de 20 anos não conseguem tal façanha), de músicas gravadas há quatro décadas, realmente é de se impressionar, ainda mais por ele correr de um lado pro outro sem parar, interagindo com a plateia e fazendo seus famosos discursos, muitas vezes palpados em assuntos históricos. “Stranger in a Strange Land”, uma das melhores músicas da carreira da banda, tanto pelo riff, quanto pela melodia vocal, harmonia brilhante e solo fantástico, além de um dos hits do álbum festejado, logo de cara se mostra o destaque daquela noite mágica. Que desempenho maravilhoso de todos os integrantes! Ah, e não dá pra esquecer do Eddie trajado como a capa do álbum e a adição de um chapéu de cowboy. Quer mais do que isso?
O álbum mais recente, Senjutsu (2021), e sua temática samurai, contrasta com a vibe de outrora, o que na realidade gera um resultado satisfatório pela mudança de atmosfera e um cenário de fundo bem interessante. A ótima e cadenciada “The Writing on the Wall” faz parte do trio que foi tocado em sequência, assim como “Days of Future Past” (uma das poucas que a banda utiliza notas semi-tons em harmonias diferenciadas), outra bem poderosa e, vejam só, “The Time Machine”, que se encaixou perfeitamente com a proposta da banda. Mas fã de Iron Maiden, por mais que ouça material novo com seus méritos, ainda assim quer ouvir a sonoridade old schoold, não tem jeito, então voilà: “The Prisoner”, de The Number of the Beast (1982), praticamente um b-side e que levou o público à loucura, um verdadeiro presente para os que há muito aguardam por mais canções de álbuns antigos que raramente são tocadas ao vivo.
Voltando à ‘orientalidade’, a longa “Death of the Celts”, uma das melhores desta nova fase do Maiden e interpretada por maestria por Bruce, tem a letra explicada antes de ser executada; o povo celta quase desapareceu em determinada época e felizmente conseguiram se fortalecer ainda mais por causa de sua icônica cultura que ao longo dos anos passou a ser bastante conhecida mundialmente. Aliás, uma coisa que a banda sempre gostou de fazer é flertar com momentos históricos e até mesmo mitologias, portanto aprender inglês para compreender as letras é uma tarefa recomendada para quem quer se aprofundar na mentalidade do grupo.
Ou quem sabe aderir à loucura? “Can I Play With Madness”, uma das mais enérgicas e empolgantes músicas da banda retorna ao repertório para a alegria dos que viveram a era de ouro, e álbuns como Seventh Son of a Seventh Son (1988) é a prova da versatilidade dos anos 80. E a nostalgia não para, pois “Heaven Can Wait” surge a seguir com uma batalha entre Bruce (e sua máquina) e Eddie, que volta para a gritaria de todos. Os coros no meio da canção só serviram para unir ainda mais um público que se abraçava, entreolhava com brilho nos olhos, uma autêntica festa que reuniu pessoas com bom gosto musical.
Agora, o momento mais esperado de todo o setlist foi representado por um pano de fundo com panteão de soldados que anunciaram o rei da Macedônia, “Alexander the Great”. O clima estava pronto para que todos pudessem se concentrar e ouvir cada nota com muita atenção, pois aquele presente precisava ser saboreado nos detalhes. A estreia da belíssima canção foi uma escolha mais do que acertada, dada a estrutura tão bem construída como composição e representando o que o Iron Maiden tem de melhor. Falando em ‘melhor’, uma que não pode faltar em nenhum show da banda é o hit máximo “Fear of the Dark”, justamente a próxima a envolver o estádio com uma onda de luzes, dando ar de sua graça no auge do evento.
A música da era Paul Di’Anno (R.I.P.) que leva o nome da banda precisava fazer parte dessa celebração, então “Iron Maiden” tem suas primeiras notas tocadas junto à volta de Eddie, desta vez como a capa do álbum mais recente. Ali dá pra perceber o entrosamento de guitarras entre Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers, que músicos fenomenais! Cada um com sua personalidade, estilo, pegada única e postura no palco, o que gera constante divertimento para todos que prestam atenção nas nuances apresentadas.
Antes do bis, Nicko novamente ficou na boca do público com muitos aplausos e gritos de “ole ole ola, Nicko”. Havia uma enorme quantidade de pessoas com lágrimas no rosto, seja pelo rápido discurso feito por Bruce no início do setlist, explicando que o baterista vai encerrar suas atividades no palco, mas continuará na banda em estúdio, o que amenizou um pouco o coração dos fãs, seja por ver o rosto de Nicko, visivelmente emocionado por saber o que tudo aquilo significava. No dia seguinte ao show, o Iron Maiden já informou o substituto, o baterista Simon Dawson, que há dois dias tocou no British Lion (veja a resenha aqui). Justo manter alguém conhecido do patrão Steve Harris. E pelo desempenho que teve no Fabrique Club, é claramente capaz de reproduzir ao vivo, de maneira satisfatória, as músicas da banda.
Curiosamente retornam com “Hell on Earth”, diria que um pouco anti-climática para a ocasião, mas fizeram uso de muita pirotecnia para suprir qualquer distração do público que de fato já estava ansioso por mais canções antigas. É uma boa música, mas poderia ter sido realocada em outra ordem do setlist. Pelo fato das músicas do álbum mais recente terem uma longa duração, várias ficaram de fora e ficou até difícil escolher canções que agradassem à grande parcela presente no show. Por falar nisso, uma que também é imprescindível para aliviar qualquer reclamação de fãs que adoram resmungar é a cavalgada fabulosa de “The Trooper”, que não só abre rodinhas (mosh), mas também sorrisos de orelha a orelha nos mais cansados.
Se foi intencional ou não, não temos como saber, mas encerrar o espetáculo com “Wasted Years” se mostrou tão adequado que chega a impressionar. Como todos já sabiam, era a última música do show e de Nicko, então todos botaram tanta energia em cada nota cantada/tocada que parecia que as dezenas de milhares dos presentes eram um só. As vozes em uníssono se convergiam em sons de guitarra, baixo e principalmente bateria. Nunca a frase “Realize you’re living in the golden years” (“Perceba que você está vivendo nos anos dourados”) fez tanto sentido. Não havia uma alma viva que não estava focada em Nicko, aguardando sua despedida. E ela veio.
Após jogar baquetas, munhequeiras e peles da bateria, chegou a hora de acenar para todos, erguer as mãos para o céu em referência à sua crença em Deus e se despedir de uma fase tão duradoura em sua vida. A única certeza que temos é de que sempre será lembrado como um músico brilhante, que nos conquistou desde a entrada na banda, que nos marcou com suas inúmeras viradas (ouça por exemplo a “Where Eagles Dare”, do Piece of Mind, de 1983, e tire suas conclusões), que é respeitado por todos que o conheceram na indústria musical (vide a massiva quantidade de músicos que se pronunciaram a respeito nas redes sociais) e que sempre terá um lugar guardado em nossa memória. Nicko, desejamos vida longa, muita saúde e felicidades! Up the Irons!
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a Midiorama e Move Concerts pela parceria, confiança e credibilidade dada à equipe do Universo do Rock.
Veja a galeria de fotos do show (Iron Maiden/ SP):
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