Texto: Thiago Rahal Mauro
Revisão e Edição: Gustavo Franchini
Foto: Denis Queiroz
Após mais de uma década, o Dream Theater surpreendeu o mundo em 2023 ao anunciar o retorno de Mike Portnoy, um dos membros fundadores e baterista original da formação; posto que ocupou até 8 de setembro de 2010. A saída de Portnoy, marcada por diferenças sobre como a banda deveria seguir no período seguinte àquela época, deu lugar a Mike Mangini, que desempenhou um papel crucial durante 13 anos de história da banda. Contudo, a notícia do retorno de Portnoy gerou uma onda de euforia entre os fãs, que esperavam por esse momento desde a sua despedida. A reconexão com John Petrucci (guitarra), Jordan Rudess (teclado), John Myung (baixo) e James LaBrie (vocal) trouxe novo fôlego à banda, consolidando ainda mais sua trajetória lendária no cenário do metal progressivo.
A turnê comemorativa dos 40 anos do Dream Theater, iniciada em 2024 e com datas já confirmadas para 2025 ao redor do mundo, reflete o equilíbrio perfeito entre renovação e celebração de uma carreira inigualável. Com sua formação histórica completa, a banda tem protagonizado espetáculos emocionantes e inesquecíveis. A apresentação no Vibra, em São Paulo, em 15 de dezembro de 2024, foi o ápice dessa energia, consolidando a conexão renovada entre os membros e o público. Uma noite histórica, que ficará na memória como um verdadeiro marco para os fãs brasileiros.
Sou jornalista musical há mais de 15 anos, mas, acima de tudo, um apaixonado pela música dos norte-americanos do Dream Theater. Estive presente em todos os shows da banda em São Paulo desde 2005. Infelizmente não fui nos dos anos noventa, mas vi as mudanças da banda ao longo de todos os anos. Nesta resenha, vou seguir a estrutura do espetáculo apresentado pela banda, que foi cuidadosamente dividido em atos, destacando a teatralidade e a grandiosidade que definem o Dream Theater.
Assim como no show no Vibra, em São Paulo, cada momento será explorado em detalhes: dos clássicos inesquecíveis do primeiro ato às surpresas emocionantes do segundo, culminou-se em um desfecho apoteótico no encore. Prepare-se para uma viagem musical tão rica e impactante quanto a própria história da banda.
Foto: Denis Queiroz
Ato I: O Início de uma jornada épica
A noite começou com uma atmosfera eletrizante na casa de shows. Os fãs, visivelmente ansiosos, trocavam comentários entusiasmados sobre a importância histórica daquele momento. O palco, oculto por um pano de fundo que cobria a visão do público, era banhado por uma iluminação em tons profundos de azul e dourado, que aumentava a expectativa. Após a introdução orquestral de “Prelude”, de Bernard Herrmann, o espetáculo tomou vida com “Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper”, do Images And Words (1992). A abertura foi como um raio, cortou o silêncio, iluminou o pano de fundo até que, em um instante dramático, ele subiu e revelou a banda com toda sua perfeição em cima do palco.
O Dream Theater surgiu no auge de sua complexidade técnica, com cada passagem instrumental narrando uma história única. Era como se os músicos conversassem diretamente com a plateia, que respondia a cada solo e parte complicada. O solo de John Petrucci destacou-se como uma verdadeira obra-prima, combinando precisão técnica com emoção arrebatadora. O grandioso desfecho rítmico, liderado pela energia pulsante de Mike Portnoy, não apenas deixou este repórter arrepiado, mas também trouxe memórias vivas da adolescência e reafirmou o poder atemporal da banda.
Sem deixar o ritmo cair, “Overture 1928” e “Strange Déjà Vu” conduziram os fãs diretamente ao coração da narrativa de Scenes From a Memory (1999). As transições fluíram como águas de um rio, que encantaram a audiência. James LaBrie entregava vocais que flutuavam com suavidade e poder, algo que muitos estavam receosos, mas que ele o fez muito bem, enquanto a interação mágica entre teclado e guitarra criava paisagens sonoras magníficas. Foi um espetáculo que transcendia a música, pintando cenas nos olhos e corações do público. Era possível ver os fãs boquiabertos e impressionados.
Em sua primeira interação com a plateia, James Labrie deu boas vindas ao público agradecendo por terem vindo ao show de 40 anos e apresenta o retorno de Mike Portnoy, com coros da plateia na sequência ovacionando o baterista. Então, veio “The Mirror”, de Awake (1994), uma incursão mais sombria e pesada. Os riffs de John Petrucci são inconfundíveis e ficam na cabeça, enquanto Mike Portnoy traz uma energia que parece mover o chão sob os pés da plateia. Ao final, ainda tivemos uma surpresa com o solo de “Lie”, faixa irmão da “The Mirror”, mas que somente os fãs mais fervorosos devem ter percebido.
Foto: Denis Queiroz
A energia cresceu ainda mais com “Panic Attack”, uma das minhas favoritas do álbum Octavarium (2005). A linha de baixo de John Myung é um destaque à parte, envolvendo a plateia em um transe coletivo. Cada refrão era uma montanha russa de emoção e técnica, desafiando limites vocais e instrumentais em uma performance impecável.
“Como estão todos? Esta próxima música é uma bela canção e carrega uma mensagem muito, muito poderosa. Temos duas pessoas em extremos opostos do espectro, enfrentando os desafios adversos da vida — os altos e baixos, os picos e os vales — enquanto tentam encontrar o caminho de volta para onde a vida é boa e podem abraçá-la em todo o seu valor. Com vocês, Barstool Warrior”, explicou James Labrie antes de anunciar uma das surpresas do setlist.
Esta música proporcionou uma pausa melódica e reflexiva, destacando-se como um momento de pura emoção. Extraída do álbum Distance Over Time (2019), a faixa preencheu o ambiente com uma intensidade genuína, enquanto LaBrie alternava magistralmente entre delicadeza e potência em sua interpretação. Um dos grandes destaques da turnê foi a execução desta canção, surpreendendo o público ao ver Portnoy tocar com maestria uma composição originalmente gravada por Mike Mangini. Sua abordagem trouxe uma nova dimensão à música, tornando-a ainda mais orgânica e cativante.
A noite ainda guardava mais surpresas, entre elas uma rara versão demo de “Hollow Years”, do álbum Falling Into Infinity (1997). A faixa foi um verdadeiro presente para os fãs mais antigos, despertando memórias e arrancando suspiros logo nos primeiros acordes. A nostalgia dominou o ambiente, reforçada pela reação calorosa da plateia, que acolheu cada nota como se fosse um velho amigo.
O primeiro ato atingiu seu clímax com uma explosão de energia, marcada por “Constant Motion” e “As I Am”. Enquanto a primeira incendiava o palco com seus riffs rápidos e dinâmicos, a segunda encerrava com uma agressividade avassaladora e uma intensidade fora do comum. O refrão de “As I Am” transformou o público em um poderoso coro uníssono, encerrando a primeira parte do espetáculo com um impacto memorável, como um prelúdio emocionante para o que ainda estava por vir. Em um gesto incomum para shows de metal, a banda fez uma pausa de 15 minutos, permitindo os fãs recarregarem as energias, visitarem o bar ou aproveitarem um momento de descanso antes do segundo ato.
Foto: Denis Queiroz
Ato II: Clímax e músicas para os fãs
Após um breve intervalo, o segundo ato começa com a “Orquestral Overture”, onde trechos de todos os álbuns da banda foram entrelaçados em um arranjo único. Uma celebração emocionante da trajetória da banda.
A inédita “Night Terror” trouxe ao palco uma atmosfera sombria e envolvente, marcada por uma iluminação dramática que destacou a intensidade visceral da música. A interpretação profunda da banda transportou os fãs para um universo quase cinematográfico, onde cada nota parecia contar uma história.
É impossível falar dos fãs de metal progressivo sem reconhecer sua lealdade apaixonada e seu lado nerd inconfundível – eu, inclusive, me incluo nesse grupo. Conhecemos cada virada de bateria, cada passagem instrumental de guitarra e teclado, e passamos o show inteiro acompanhando tudo com air drums cheios de entusiasmo.
Em seguida, “Under a Glass Moon” transportou o público direto para os anos dourados de Images and Words. A energia nostálgica dominou o ambiente, enquanto a precisão técnica da banda brilhava, especialmente nos solos poderosos. Na parte mais intrincada da música onde bateria, teclado e guitarra faziam uma parte rítmica complicadíssima, o público ficou vidrado. Petrucci hipnotizou o público ao executar o icônico solo, arrancando aplausos.
Esta música é algo com que todos nós podemos nos identificar pela letra. Muitas vezes encontramos pessoas que acreditam demais em si mesmas, e ficamos em dúvida. Olhamos para os outros ao nosso redor e pensamos: talvez seja melhor do lado de lá. Talvez eles tenham acertado e nós não. Mas vou dizer uma coisa: a mensagem desta música é que, se abraçares cada centímetro de quem tu és e do que és, a vida será incrivelmente linda. “This Is the Life”, diz James Labrie.
A introspectiva balada de “A Dramatic Turn of Events” (do álbum homônimo, de 2011) trouxe um contraste emocionante, acalmando os ânimos com sua melodia delicada e contemplativa. Jordan Rudess liderou no piano, criando um ambiente de pura introspecção, enquanto LaBrie entregou uma interpretação vocal carregada de emoção. Essa é mais uma faixa que Portnoy tocou da sua maneira, uma música que Mangini gravou. Ponto positivo para Portnoy aqui que fez até backing vocals.
O contraste entre a melancolia de “Vacant” e a grandiosidade instrumental de “Stream of Consciousness” foi simplesmente arrebatador. Enquanto a primeira emocionava com sua melodia suave e melancólica, a segunda levou o público a uma jornada instrumental de pura técnica e complexidade. A banda mostrou sua perfeita sintonia, com cada membro brilhando em seus momentos de destaque.
Como uma escolha ousada e brilhante, “Octavarium”, a faixa-título do álbum de 2005 foi apresentada na íntegra, deixando os fãs maravilhados com sua complexidade. Com seus mais de 20 minutos de duração que passam muito rápido, ela fez muito fã chorar. As mudanças dinâmicas da canção, os momentos de introspecção e as explosões de energia criaram uma experiência única. A execução impecável demonstrou o virtuosismo da banda, que prendeu a atenção da plateia do início ao fim. O clímax crescente na sessão final foi simplesmente arrebatador, e levaram o público a ovacionar a banda de pé, transcendendo com a magnitude da apresentação. Não teria final melhor para o segundo ato do que este.
Foto: Denis Queiroz
Encore: O Desfecho Perfeito
Após um breve interlúdio com trecho de “There’s No Place Like Home” de O Mágico de Oz, a banda voltou para um grand finale emocionante. O público vibrou com o início de “Home”, onde os riffs pesados e o refrão poderoso ecoaram pelo Vibra. Essa música do Scenes from a Memory é uma das favoritas deste repórter.
“The Spirit Carries On” foi uma experiência quase espiritual, com todos cantando juntos. O público, levantou os celulares para iluminar o Vibra durante a música, criou um momento emocionante, de fazer chorar. A letra acaba por nos lembrar de pessoas queridas que nos deixaram, e, na hora, é impossível não pensar num familiar ou amigo que já partiu. Nesse momento, lembrei-me dos amigos Pit Passarell (que nos deixou este ano) e o eterno Andre Matos.
O encerramento foi puro êxtase. “Pull me Under”, a música que colocou o Dream Theater no mapa, trouxe na noite, um final glorioso. O público cantou cada palavra, em comunhão com a banda. É impossível você conhecer o Dream Theater sem ser fã dessa música, literalmente um hit daqueles bem arrasa-quarteirão.
Conclusão
Com uma carreira de 40 anos repleta de álbuns icônicos e faixas memoráveis, montar um setlist para esta turnê deve ter sido uma tarefa hercúlea para o Dream Theater e Mike Portnoy. Embora o repertório apresentado tenha sido espetacular, é inevitável notar a ausência de clássicos como “In the Name of God” e a épica “A Change of Seasons”, faixas que muitos fãs esperavam ouvir. Contudo, a volta de Portnoy traz uma nova dinâmica e uma expectativa renovada para as futuras turnês. É possível que a banda explore ainda mais sua vasta discografia, além de entregar surpresas e resgatar outras pérolas em apresentações vindouras.
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a Tedesco Assessoria e Midiorama pela parceria, confiança e credibilidade dada mais uma vez à equipe do Universo do Rock.
Veja a galeria de fotos do show (Dream Theater/ SP):
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