Black Sabbath no Rio: nostalgia, comoção e um culto ao heavy metal

Por: Danielle Barbosa
Foto: Renata Cardoso
Foto: Renata Cardoso

O quarteto britânico embalou a Apoteose com hits de mais de 40 anos de carreira

A última sexta-feira (2) no Rio podia ser tudo, menos um dia comum. Para os apaixonados por heavy metal, o dia marcava a turnê de despedida do Black Sabbath, uma das mais importantes e influentes bandas de heavy metal de todas. E para a “The End” tour, a reunião dos membros da formação original do Sabbath – com exceção do baterista Bill Ward – aconteceu. Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Geezer Butler se apresentaram para cerca de 40 mil pessoas na Praça da Apoteose sob gritos de “Sabbath! Sabbath!” e com um repertório composto apenas por hits dos 48 anos de estrada e quase 20 álbuns de estúdio lançados. No lugar de Bill Ward, Tommy Clufetos ocupou as baquetas com muitas honras e aplausos.

Mas há que ser feita uma crítica ao espaço do show. A Apoteose sempre é um local complicado de acessar (por conta do trânsito confuso e engarrafado), portanto montar uma produção – especialmente complexa como tal – com todos os itens se torna um grande desafio. No entorno da Apoteose, poucos minutos antes de começar o show, ainda havia muito público caminhando e um pouco perdido quanto ao portão de acesso de seu ingresso – entre as arquibancadas, pista comum e Premium. Talvez por esse motivo o show de abertura, dos californianos do Rival Sons, tenha tido um coro abaixo do esperado. Entre o público, com uma faixa etária mais elevada – entre 25 e 60 anos -, o visual era padronizado: camisas pretas de banda (em sua maioria do Black Sabbath), coturno, botas e jeans, tatuagens e maquiagem bem marcada.

A abertura: o hard rock do Rival Sons  

Pontualmente às 20h30, os norte-americanos da Califórnia do Rival Sons – que foram os escolhidos pela produção para aquecer o público para o Black Sabbath – subiram ao palco com “Electric Man”, canção bastante performática e agitada. Poucos conheciam o som dos músicos de Long Beach, mas ainda assim a recepção do público foi positiva e – sempre que abria uma brecha – as pessoas se empolgavam e acompanhavam o vocalista Jay Buchanan com palmas e coros simples.

O grupo é uma formação recente (2009) do que restou da banda do guitarrista Scott Holiday, a Black Summer Crush. Apesar disso, já são cinco álbuns de estúdio produzidos em um período de 7 anos de estrada juntos – sendo o “Hollow Bones” o mais recente, lançado em junho de 2016. O quarteto, que ainda comporta o baterista Mike Miley e o baixista David Beste, se mostrou bastante feliz pelo convite e fazia questão de expressar isso através de palavras. “É tão bom estar aqui com vocês”, comentou Jay logo após a primeira música. Mais tarde, ele agradeceu ao Black Sabbath – banda pela qual eles nutrem uma grande admiração. “Nós somos o Rival Sons, nós tocamos rock n’ roll! Estamos tão agradecidos de tocar aqui com o Black Sabbath. Eles nos deram uma grande oportunidade e estamos muito felizes! Muito obrigado, Black Sabbath!”, disse Jay.

No repertório curto de sete músicas do Rival Sons na noite de sexta-feira, destacaria as canções “Pressure and Time” pra quem quer ouvir algo mais pesado e “Fade Out” como uma música mais lenta e melódica. Nesse momento, inclusive, Jay disse que a letra foi feita para um amigo pessoal – que faleceu há pouco – e fez questão de dedicá-la à ele: “Essa música é pra você, meu amigo!”. Foi a parte mais delicada da apresentação e na qual o timbre do frontman do Rival Sons pôde ser escutado de maneira mais limpa e com menos gritos. Aliás, o cantor dá uma exagerada às vezes e é muito performático com o microfone, com o gestual e isso pode ter sido uma das armas do artista pra não perder a atenção da plateia. Deu certo!

Antes da última música, Jay enalteceu seu apreço pelo Rio de Janeiro, dizendo que era “diferente estar aqui”. “Nós tocamos por todo o mundo e é sempre muito bonito e fantástico. Tocamos em todas essas grandes arenas de futebol, mas aqui é diferente”. Um dos motivos, segundo o americano, é a atmosfera festiva que o lugar passava – afinal de contas, a Apoteose é palco de uma das maiores celebrações culturais do país, conhecida internacionalmente – o Carnaval.

Sob gritos de “Rival Sons”, o quarteto de Long Beach agradeceu ao público pela noite incrível com acenos e beijos jogados no ar, além de um “muito obrigado” bastante enrolado em português.

Solidariedade e emoção

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Foto/Facebook Oficial do Black Sabbath

Ainda no pré-show, os integrantes do Black Sabbath fizeram questão de homenagear as 71 vítimas – entre jornalistas, jogadores e comissão técnica – do trágico acidente com o time de futebol catarinense da Chapeconse, que acontecera três dias antes do show dos músicos na capital carioca. Com a bandeira do clube pendurada na bateria de Tommy Clufetos, uma foto foi tirada e postada na rede social da banda com os seguintes dizeres: “Respeito e condolências para os nossos amigos brasileiros”. A imagem já tem cerca de 12.000 compartilhamentos e 92 mil curtidas. A gentileza dos britânicos em postar essa mensagem em uma semana tão difícil para todos os brasileiros já os fez ganhar o público logo de cara – sem precisar executar um acorde das suas icônicas canções.

GRAN FINALE: O último culto do Black Sabbath em solo tupiniquim
Era o provável último show dos “caras” do heavy metal no Brasil. Só isso já traz um clima de nostalgia intenso para os fãs de longa data de Ozzy e cia. O Black Sabbath, que já teve um troca-troca de integrantes e muitas reviravoltas nos quase 50 anos de trajetória, álbuns mega conceituados e duas estatuetas do Grammy na bagagem – pelos singles “Iron Man” e “God is Dead?” – é uma das referências para os apreciadores do metal e para bandas da nova geração. Como falar em heavy metal e esquecer da figura de Ozzy Osbourne no palco?

Foi sob esse ambiente de sentimentos mistos – que iam do êxtase ao saudosismo – que a banda subiu ao palco às 21h30 com a sombria “Black Sabbath” para delírio unânime após o um teaser com a logo do Black Sabbath em chamas anunciar a chegada da banda. Durante a longa intro, berros de “Ozzy”, “Sabbath” e “Deus” eram ecoados por muitos fãs que eram pura emoção por ver o ídolo ali, de tão perto. Ozzy, por sua vez, regia os coros de “oooh” e levantava as mãos pro alto convocando o suporte do público – solícito e entregue aos pedidos do vocalista. O único inconveniente, no entanto, foi o som. Quem estava bem de perto – ao lado dos PAs da esquerda e da direita do palco – podia perceber que a potência sonora não estava no fino de suas condições.

“Vamos ficar loucos!”, pediu Ozzy antes de emendar a apresentação com “Fairies Wear Boots”, e a plateia seguia super empolgada e acompanhando cada trecho da canção com palmas, gritos de “hey” e balançando a cabeça ao som das batidas de Tommy Clufetos. O Pai do Heavy Metal, com é conhecido Ozzy Osbourne, não conseguia ficar parado no microfone e se movimentava pelas laterais do palco a todo instante para chamar e saudar os fãs que não estavam na área mais centralizada das grades. A linguagem corporal foi a principal arma do frontman do Black Sabbath, de 68 anos. O músico abusou das caras e bocas. “Eu amo vocês!”, se declarou o cantor britânico após o fim da música com uma reverência a todos aqueles presentes e que estavam dando 101% de si para o show.

Foto: Leonel Latorre
Foto: Leonel Latorre

A setlist foi bastante curta, especialmente por se tratar de uma turnê de despedida. A listagem, porém, contemplou apenas os clássicos do Black Sabbath. “After Forever”, “Into the Void” e “Snowblind” vieram na sequência e os ânimos deram uma baixada por alguns instantes. Ainda assim, Ozzy sapateava inquieto entre sorrisos, balançava os braços e fazia de tudo pra empolgar os fãs. O limite do cantor era o físico, que não o permitia fazer mais as extravagâncias das performances de outrora. Os vocais, entretanto, continuam impecáveis.

Uma pausa para as apresentações. Tony Iommi e Geezer Butler foram os mais celebrados pelas pessoas, causando um verdadeiro frisson entre os presentes. Nada mais justo, uma vez que ambos participaram dos anos dourados do Black Sabbath, nas décadas de 70 e 80. Tanto guitarrista quanto baixista, agradecidos pela vibração dos fãs ao serem apresentados, retribuíram com um solo estendido e sorrisos no rosto.

O destaque da primeira metade do show veio com “War Pigs” e aí sim a Apoteose se transformou em uma verdadeira missa negra, e os fieis eram os fãs. Cada trecho da música foi cantado a plenos pulmões por todos e sob um estalar de palmas rápido e alto. A animação foi tanta que Ozzy se sentiu à vontade pra deixar com que os cariocas levassem o single “no gogó”. “Eu gosto disso!”, exaltou o cantor. “Batam palmas”, pedia já no fim da música, e a legião de seguidores do Pai do Heavy Metal atendeu sem pestanejar. “Ozzy, Ozzy, Ozzy!”, berravam os fãs. “Eu não consigo ouvir vocês!”, provocava o cantor. “Deixe-me ver as mãos de todos vocês no ar!”, comandava o músico e o volume na Praça da Apoteose só aumentava entre gritos de guerra e histeria.

Na sequência, “Behind the Wall of Sleep”, “N.I.B.”, do álbum de estreia “Black Sabbath” (1970) e “Rat Salad”, do “Paranoid” (1970). Entre as duas primeiras músicas, Geezer Butler deu uma palhinha com o som marcante do seu baixo. Depois, foi a vez do – até então escondido – baterista Tommy Clufetos tomar o show pra si. Enquanto seus colegas de banda saíram de cena para dar uma respirada e voltar para a sessão final da apresentação, o único norte-americano da trupe – e também o mais jovem: 36 anos – chamou todos os holofotes para o seu solo por cerca de dez minutos. O gás com que Clufetos batia no instrumento e chamava o público pra participar com gritos de “hey” foi de impressionar até o mais desanimado dentro daquele espaço. Digno da longa ovação que teve ao fim do espetacular solo de bateria que havia acabado de nos proporcionar.

A técnica com que Iommi e Butler conduziram seus instrumentos também foi um show à parte. O ponto a se destacar fica por conta dos riffs de guitarra que só Iommi poderia reproduzir de forma fiel ao conteúdo de estúdio – ainda mais pro se tratar de uma turnê de encerramento – e o compasso bem marcado de baixo que só Butler tinha vivência o suficiente com o Black Sabbath para performar. Um Ozzy que ainda sabia cativar os fãs e com um vocal bastante expressivo e de arrepiar durante todo o show. Todos os elementos para um show incrível estavam ali, a poucos metros de distância. À medida que o tempo corria, mais próximo estava do fim de tudo aquilo. Algumas pessoas se questionavam: “Nossa, mas só faltam mais quatro músicas?” com tom de desespero. Ou talvez fosse a saudade começando a bater mais forte.

De volta ao palco para a season finale, Ozzy – que fora o centro das atenções o tempo todo – brincou por alguns segundos com a plateia e chegou a levantar a camisa para pedir que as pessoas gastassem ali – nas últimas quatro da setlist – sua última reserva de energia e ficassem “bem loucos”, como repetiu várias vezes durante o show. A premiada e icônica “Iron Man”, “Dirty Women”, “Children of Grave” e “Paranoid”. Não poderia imaginar um final melhor. Sabendo se tratar da última vez que estariam frente a frente com Ozzy Osbourne – uma das lendas da música -, os fieis que ali estavam não economizaram em pulos, aplausos e coros para enaltecer o grande vocalista.

“Oooooh ole, ole, ole, ole, Ozzy! Ozzy!”, versos repetidos por três vezes, deram o tom da despedida. E, se havia chegado realmente o fim, coube ao experiente músico britânico se despedir de forma bastante calorosa e demorada. “Espero que vocês tenham se divertido hoje. Muito obrigado por virem! Tenham uma boa noite, Deus os abençoe!”, disse – já se dirigindo para o backstage – sob aplausos que perduraram até os letreiros com a frase “The End” estamparem o telão e trazerem de vez a sensação de nostalgia.

Foi bonito, foi emocionante, foi comovente! O dia 2 de dezembro de 2016 não foi só mais um show na cidade do Rio de Janeiro, foi um culto ao heavy metal. Um dia histórico para uma banda histórica. E o que fica é a certeza de que os 40 mil fieis que seguiram Ozzy e cia na 1h30 de show voltaram pra casa com a satisfação de terem entrado pra história do Black Sabbath!

Setlist BLACK SABBATH:
1. Black Sabbath
2. Fairies Wear Boots
3. After Forever
4. Into the Void
5. Snowblind
6. War Pigs
7. Behind the Wall of Sleep
8. N.I.B.
9. Rat Salad
10. Iron Man
11. Dirty Women
12. Children of the Grave
BIS:
13. Paranoid

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