Entrevista e Revisão por Gustavo Franchini
Em uma conexão suíça com o Brasil, o Rio Montreux Jazz Festival retorna em sua terceira edição este ano para apresentações de artistas nacionais e internacionais de impacto no cenário musical. Contando com nomes de peso como o multipremiado guitarrista americano Mike Stern e o gênio brasileiro Hermeto Pascoal, considerado um dos maiores nomes do jazz mundial, dentre diversos outros, tendo como palco desta vez o belíssimo Morro da Urca (mais especificamente no Parque Bondinho Pão de Açúcar), o festival começou no dia 11 (quarta-feira) e vai até o dia 14 (sábado), este último com a presença do talentoso Guilherme Veronese, guitarrista promissor que acaba de lançar seu debut autoral Unmagic e que surpreenderá a muitos desavisados com sua forte influência das construções harmônicas típicas do jazz fusion e heavy metal.
A equipe do Universo do Rock teve a oportunidade de bater um ótimo papo com ele sobre as expectativas do festival, o álbum lançado, indústria musical e planos futuros. Confira a seguir!
Universo do Rock: O festival Rio Montreux Jazz Festival é tradicional aqui na cidade e muitos artistas de respeito marcarão presença no evento. Como é a sensação de fazer parte de um line-up com tamanha história e qualidade na música mundial?
Guilherme Veronese: A sensação é de estar muito honrado, muito feliz e orgulhoso de ver a semente do meu álbum de estreia dando frutos. Lembro-me de ter lido uma entrevista do Steve Vai dizendo que era ‘muito louco’ ver algo que você criou no seu quarto ser capaz de dar frutos assim. É verdade! E, particularmente, considerando que estou iniciando uma carreira, a sensação também é de uma baita responsabilidade. Eu e minha banda temos nos dedicado muito pra fazer um show histórico.
Universo do Rock: O Morro da Urca já foi palco de diversas atrações famosas tanto nacionais quanto internacionais. O clima do local favorece para um contexto mais intimista e o encontro mais sincero entre público e artista. O que você poderia nos dizer sobre o setlist que preparou? Pelo tempo de duração do show, há espaço para diversas surpresas!
Veronese: Concordo, o Montreux suíço tem a paisagem do Lago Léman e o Rio não poderia fazer diferente pra gerar essa atmosfera de arte e beleza. Quanto ao setlist, ele contará com algumas músicas do Unmagic e, como você mesmo disse, surpresas! (risos) Se posso adiantar algo, eu e a minha banda vamos fazer homenagens ‘inusitadas’, digamos. Elaboramos algo especial para o festival, que não foi gravado, nem sequer lançado antes.
Universo do Rock: Não à toa “Unmagic” foi escolhida como o single de destaque para divulgação de seu trabalho, pois ela é bastante inspirada e mistura diversos elementos de maneira coesa. É possível observar que há um carinho também na escolha sintonizada de timbres e linhas dos outros instrumentos presentes, como o contrabaixo, que se conecta de modo peculiar às harmonias principais, enquanto a bateria em viradas quase que psicodélicas se encaixa como uma luva para a proposta apresentada. Você também compõe os demais instrumentos ou dá certa liberdade para os músicos convidados?
Veronese: Eu compus tudo no álbum. Na pré-produção eu tinha os baixos e baterias bem delineados, feitos usando instrumentos virtuais. Faço isso porque acho importante já ter a cara da música o quanto antes, e assim ir trabalhando ela até o dia da gravação, quando os músicos vão dar sua interpretação, claro, mas seguindo a linha que fiz. E aí cada músico vai adicionar certo trejeito, algo natural deles, ou alguma sugestão que pode pintar na hora de gravar.
Universo do Rock: O tema de “Shades of Violet” é bem marcante durante sua progressão, enquanto você coloca um belo solo que se estende sem interrupção na maior parte da música. Algo em especial que queira comentar sobre como foi o processo de composição?
Veronese: Tenho. O tema dessa música, que é a primeira melodia que aparece, partiu de um improviso despretensioso em cima de uma backing track aleatória do YouTube. Tem várias trilhas lá, que eu uso pra aquecer, brincar na guitarra, sem maiores obrigações. Mas às vezes nesse relaxamento pode surgir algo legal, uma semente. A partir daí fui desenvolvendo, estendendo e variando a melodia pra gerar interesse do ouvinte.
Universo do Rock: A bela música “Transitive” tem uma pegada bastante progressiva, tal virtuosidade inclusive nas melodias, que literalmente transitam entre momentos de devaneio e fraseados mais diretos com ótimas terças, o que me remete ao compositor australiano Plini.
Veronese: Legal! Essa música partiu de uma melodia que grudou na cabeça, que são as primeiras cinco notas do verso. É um tema meio Tony Macalpine, me lembra algo de um dos primeiros álbuns dele. E aí fui misturando outras ideias e alguns conceitos de Harmonia Funcional que são mais comuns na música jazzística, mas com a meta de chegar na parte heavy metal dela, então criei um ‘crescendo’ até lá. Há alguns easter eggs nela, como a homenagem à música de videogame, especificamente o jogo Mega Man, cujas músicas eu sempre curti muito! Fiz um vídeo no meu Instagram mostrando um pouco disso.
Universo do Rock: Há um vídeo seu no canal do YouTube tocando “Glória Instrumental” (Oficina G3) em uma interpretação bastante pessoal, quando você ainda era bastante jovem, o que chega a impressionar! A religião tem um papel importante em sua vida ou unicamente a sonoridade do guitarrista Juninho Afram que se fez presente em seu interesse por essa música em particular?
Veronese: Eu costumava frequentar a Igreja Batista quando mais jovem e, como em toda igreja evangélica, a música era um dos principais meios de expressão. Então havia toda uma comunidade de músicos que inspirava o estudo. Isso tudo gera um comprometimento, senso de profissionalismo, afinal a gente tem que tocar tudo corretamente, ao vivo, nos domingos (risos), e acho que foi algo fundamental na minha formação musical. Eu não era tão ligado nas bandas da indústria gospel, mas o Oficina G3 era exceção, escuto muito até hoje. E Juninho Afram foi e sempre será um ídolo, de muita inspiração. Tem muito dele no meu jeito de tocar.
Universo do Rock: Além das influências internacionais, você se inspira em algum artista brasileiro nas seis cordas?
Veronese: Também sou muito fã do Kiko Loureiro, do Edu Ardanuy. Cresci tocando guitarra nos anos 2000, minha praia é essa! (risos) Quanto aos mais recentes, sou muito fã do André Nieri.
“Eu tenho uma personalidade obstinada, de gostar de desafios e mostrar que posso superar”
Universo do Rock: O guitarrista Kiko Loureiro (Megadeth, ex-Angra) é amplamente conhecido como um dos maiores dentro do cenário heavy metal no Brasil. Ainda assim, seu estilo peculiar de tocar conta com referências de gêneros como Bossa Nova, Chorinho, MPB e diversas raízes de terras tupiniquins. Você considera que o estilo que você desenvolveu no seu jeito de tocar também possui o alicerce em sua infância/adolescência, ao ouvir música em casa através de familiares, amigos etc? O quão forte a cultura brasileira é representada em suas músicas?
Veronese: Quando você tem interesse em estudar música e entra no tema da harmonia, inevitavelmente vai se deparar com a música brasileira, que é muito rica nesse aspecto. Claro que quando adolescente fui mais pro lado roqueiro da coisa, mas com o tempo fiquei encantado com caras como Egberto Gismonti, João Bosco, o pessoal do Clube da Esquina, dentre outros. Minha veia principal de expressão é o rock, é a guitarra com distorção, mas minhas linhas melódicas e a harmonia têm sempre esse lado da música brasileira, explorando acordes e modos pra gerar atmosferas diferentes, com melodias mais sérias ou tristes.
Universo do Rock: O Dream Theater (e, claro, o guitarrista John Petrucci) tem bastante impacto em seu direcionamento musical, em especial notei tal força na gravação “The Embrace”. Em 2016, no evento Metal Jam, que conta com diversos músicos de destaque no cenário rock/metal carioca, você teve a oportunidade de subir ao palco para tocar “Panic Attack”, do álbum Octavarium (2005). Considerando a complexidade estrutural presente na música, o que te move a querer sempre se desafiar nas linhas do instrumento?
Veronese: “The Embrace” é uma versão do Al di Meola. Sou fã dele e quando escutei essa música pela primeira vez, imaginei um arranjo meio prog metal nela (risos), até que realizei a gravação de fato e coloquei no álbum. Não chega a ser um cover porque mudei muita coisa e coloquei uns riffs meio Petrucci nela. Quanto ao Metal Jam, por coincidência, acabei de tocar lá, em setembro de 2023. E novamente Dream Theater, no caso “Fatal Tragedy”. Eu tenho uma personalidade meio obstinada, de gostar de desafios e mostrar que posso superar, às vezes acompanhado de reclamações. (risos) Sendo a guitarra virtuose uma paixão, vira o unir o útil ao agradável. Muitas vezes perco a conta das horas de treino pra dominar uma simples passagem. Tem que ir até conseguir. Sinto-me movido pelo prazer de conquistar algo, de conquistar a habilidade e usá-la no palco. De ver os fãs curtindo.
Universo do Rock: Você teve a oportunidade de conhecer o próprio John Petrucci em diversas ocasiões. Poderia nos compartilhar alguma curiosidade relacionada às conversas sobre guitarra?
Veronese: Sim, estive em alguns ‘camps’ dele, também em bastidores. O principal que pude sacar é que ele e todos os heroes são gente com a gente. Se existe uma diferença, é que colocaram mais horas de estudo, mais sacrifício, ou seja, apostaram mais. Essa sacada, que pode parecer óbvia, mas não é, foi fundamental pra eu cair na real e fazer mais do que estava fazendo, de ir atrás de fazer o álbum, de me dedicar mais. Afinal, eu tinha um sonho, mas estava adiando, não estava fazendo por onde, como se estivesse esperando o momento mágico. Não tem isso, tem que começar mesmo, sem as certezas e seguranças que se imaginam necessárias. Então quando você olhar para alguém assim no palco, não o avalie como predestinado, como semideus, mas sim como alguém que trabalhou muito e sacrificou muitas coisas – e hoje colhe os frutos.
Universo do Rock: Conte-nos um pouco os detalhes técnicos sobre o equipamento que utiliza nas apresentações.
Veronese: Atualmente estou usando a Neural Quad Cortex e um wahwah John Petrucci. Pretendo para os próximos shows mesclar o analógico, usando pré-amps junto com os efeitos digitais, estou avaliando isso ainda.
Universo do Rock: O que você diria para guitarristas entusiastas que se interessam pelo heavy metal e/ou jazz fusion, levando em consideração os gêneros que são populares no Brasil, em especial na Cidade Maravilhosa, que favorece midiaticamente estilos como funk, pagode, samba, sertanejo e pop?
Veronese: Tem que fazer o que o coração pede. Há público e há lugares, mas obviamente não como os estilos mais populares – isso é natural do showbiz do rock alternativo e afins, seja nos EUA, seja no Brasil. A coisa fica pior quando a banda está iniciando, pois é difícil quebrar o gelo, conquistar o primeiro fã e ir multiplicando. É trabalho de formiga, e acho nocivo ficar reclamando e não fazer nada. Você pode realizar seu próprio evento, pode explorar a internet etc, tem muitas alternativas. Vai demorar anos, mas não pode desistir e sair da fila. Se você tem um projeto bom, uma hora as coisas acontecem se a gente planta sementes regularmente – e uma semente importante é publicidade.
Universo do Rock: Com o advento poderoso da internet, hoje em dia é bem mais prático lançar um material autoral para divulgação, já que as redes sociais e diversos aplicativos disponíveis se tornaram a rotina da nova geração, facilitando o caminho que outrora era dificultado pela presença de gravadoras, intermediários e outras burocracias. Você pretende lançar seu álbum em mídia física ou apenas em plataformas digitais? Você acredita na importância de ter o trabalho palpável para guardar em acervo dentro de casa, como alguns artistas ainda o fazem?
Veronese: Particularmente, não sou o cara do CD ou do Vinil (que está na moda), mas tem gente que curte ter esse material, é um nicho que existe e deve ser atendido. Já teve gente me perguntando e pretendo lançar ano que vem.
Universo do Rock: Qual é o próximo passo na carreira de Guilherme Veronese? O que podemos esperar para 2024?
Veronese: Os planos são de continuar a turnê com mais outros shows; de gravar e lançar o segundo álbum. O de estreia foi uma experiencia incrível, um aprendizado gigantesco, que quero realizar de novo. Compor e ver as músicas nascendo é o que mais gosto!
Universo do Rock: Deixe seu recado para os visitantes do site que já acompanham seu ótimo trabalho e os que ainda não tiveram a oportunidade, mas que querem expandir seus horizontes musicais.
Veronese: Galera, se vocês curtem guitarra, solos e riffs viscerais com pitadas de viagens harmônicas (risos), convido a ouvirem Unmagic, meu álbum de estreia, que está em todas as plataformas de música. Também tem os vídeos no YouTube, que são bem diferentes de tudo de guitarra que vocês já viram.
Universo do Rock: Guilherme, obrigado pela entrevista. Desejo todo o sucesso em sua jornada, pois talento você tem de sobra. Parabéns pelas composições!
Veronese: Muito obrigado pela oportunidade! Espero voltar em breve com outras novidades! Abraços!
Saiba mais sobre o artista no Instagram.
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