Por: Carla Maio
Se a previsão falava em chuva, a certeza era de que o show do Guns n’ Roses na última sexta-feira (11) no Allianz Parque causaria verdadeiro abalo sísmico, tamanho o peso da ansiedade dos fãs acumulada nessa longa espera.
O retorno do Guns ao Brasil com a turnê Not in this lifetime, que trouxe Axl Rose (vocais), Slash (guitarra), Duff McKagan (baixo) e Dizzy Reed (teclados) e até agora passou por Porto Alegre e São Paulo, tem sido exatamente como todos esperavam, mistura de emoção e entusiasmo, satisfação extrema em ouvir músicas que jamais vão abandonar a memória. Além de músicos da formação clássica, o show contou com Frank Ferrer na bateria, Melissa Reese nos teclados, e Richard Fortus nas guitarras.
Impossível esquecer o que acontece quando Axl e Slash estão no palco; juntos, esses caras pegam fogo, nos transportam diretamente para o ano em que o Guns fez seu primeiro show em terras brasileiras, radicalmente no Rio de Janeiro, durante o Rock in Rio, em 1991, para quase 200 mil pessoas. Naquela época, com timbres mais aguçados, o Guns mostrou canções que já haviam se tornado emblemáticas e que fizeram dos álbuns Appetite for Destruction, de 1987, e G N’R Lies, de 1988, verdadeiras pérolas da história do rock.
Welcome to SP-Jungle
O movimento de fãs rumo ao Allianz Parque começa cedo e dura o dia todo, um fluxo grande de pessoas vindas dos quatro cantos da cidade, do interior e de outros estados, galera com sorriso estampado, camiseta da banda, alguns de bandanas, óculos escuros, cabelos ao vento, gente jovem e também os jovens de espírito, todos alegres, reunidos.
Quem se espreitava nas janelas dos ônibus e carros na Av. Francisco Matarazzo tentava entender o jogo de comportamento ali implícito, e em meio a muitas caras caretas, dúvida e alguma desaprovação, só entende mesmo quem é fã, aqueles que esperaram mais de 20 anos por esse momento ou que nasceram já fruto dessa espera. Chegou a hora de gritar, de espantar os bichos, afinal, estamos num show de rock, baby!
Depois do fabuloso show da Plebe Rude, os vinte minutos de atraso em meio a uma intensa movimentação no palco e projeções interessantes serviu para apimentar ainda mais os nervos, que explodiram quando as luzes se apagaram e o tema de Looney Tunes começou.
O Guns n’ Roses sobe ao palco com “It´s so easy” e já em “Mr. Brownstone” é possível ver um Axl Rose extremamente satisfeito, sorrindo com os dentes e pelos olhos. Se esse retorno foi bom para os fãs, também fez, sobretudo, bem real à banda.
“Chinese Democracy”, que dá nome ao álbum de 2008, vem antes da arrebatadora “Welcome to the Jungle”, na qual Slash costuma arrancar riffs destoantes e ao mesmo tempo pornográficos. “Welcome to São Paulo jungle city”, essa é a vibe, alimenta Axl Rose enquanto vai de um lado para outro.
Na sequência, “Double Talkin’ Jive” nos deixa eletrizados, muito embora alguns reclamem da qualidade técnica do som do Allianz. Também do álbum de 2008, o Guns toca “Better” e, seria um sacrilégio se faltasse, “Estranged”, com os belíssimos acordes dos teclados de Dizzy Reed, a melhor, na opinião dos fãs.
O cover de Paul McCartey “Live and Let Die” já é prata da casa. Surpreendente, a performance do guitarrista Richard Fortus em “Rocket Queen” vem nos mostrar quem ele é. No Guns desde 2002, Fortus continua a ganhar espaço, agora nessa turnê ao lado de Slash, compartilhando o crédito por aquilo que o veterano faz com bastante naturalidade: nos deixar de queixo caído. Vide “You Could Be Mine”, com solos magistrais arrancados de ambas as guitarras, coisa que não pode ser desse planeta.
Chuva na cabeça, rock’n’roll na alma
Axl chama Duff para a saborosa jam “You Can’t Put Your Arms Around a Memory/Attitude”, e o cara, como sempre, arrebenta. O público se diverte, gosta. A chuva apertou mesmo em “This I Love” e em “Civil War”, diante de alargados solos de Slash, travávamos verdadeira batalha para não deixar molhar documentos e celulares. Desistimos. Em “Coma”, muitos rasgaram a fina capa de chuva, melhor deixar pra lá, afinal, show de rock tem que ter chuva, e das boas, aquela que cai gelada no corpo quente. Isso também é rock, honey!
Slash. Lendário e brilhante, não abandonou o solo do tema de O Poderoso Chefão nem mesmo quando estava longe do Guns. Como de costume, esse foi o mote para “Sweet Child O’ Mine”. Logo depois do medley com “Wish You Were Here” (Pink Floyd) e “Layla” (Eric Clapton), a banda toca “November Rain”, a preferida de tantos outros, que além de fazer jus à combinação do clima, mês e bexigas vermelhas, emocionou os fãs com solos incríveis da guitarra de Slash e de Axl, junto ao piano.
O show chega ao fim com “Knockin’ on Heaven’s Door” (Bob Dylan) e “Nightrain”, uma das preferidas de Axl Rose, com a qual a banda costumava abrir os shows em pubs californianos, no início da carreira.
Quase não deu para perceber, mas o medley “Babe I’m Gonna Leave You” marcou o bis com “Don’t Cry” e a mente voa de volta ao passado, música que aguça a memória e faz brotar incontáveis histórias, das mais malucas.
O até então calado Axl Rose se lembra de uma dessas crônicas sobre armas e encrencas e a divide meio às pressas com o público, já chamando “The Seeker”, do The Who. Da mesma linha encrenqueira, a banda encerra o show histórico com “Paradise City”, e numa explosão de milhares de papeizinhos coloridos, os músicos demostram satisfação por esse grato retorno e pela grande noite.
Sonhadores, os fãs do Guns n’ Roses, aqueles que não perderam de vista a chance de ver Axl e Slash juntos novamente, ainda esperam que, com a maturidade de ambos, tenha vindo também a vontade incontrolável de tocar… sem pensar em parar.
Será verdade, será que não?
Um show da Plebe Rude é sempre bem vindo por vários motivos. Primeiro, porque o som da banda denota o impacto do deslocamento musical do eixo Rio-São Paulo, mas também porque tudo começou em plena Ditadura Militar, período em que o rock nacional mostra influências e temáticas que traduziam a inquietação da juventude. São 35 anos carregando a bandeira do rock nacional autoral de Brasília.
Philippe Seabra (vocal e guitarra), Clemente Nascimento (guitarra), André X (baixo) e Marcelo Capucci (bateria) aguçaram as ideias desses jovens inquietos que estavam ali, muitos deles verdadeiros sobreviventes dos anos 80, que vieram ver o Guns n’ Roses e levaram, de lambuja, o show da Plebe Rude.
Com iluminação e som péssimos, restou ao repertório da Plebe salvar a apresentação com músicas conhecidas, as quais os fãs cantaram à exaustão enquanto chutavam o ar, numa frenesi meio punk rock, como “Até Quando Esperar”, “Johnny vai à guerra”, “Minha renda”, “Proteção” e “Pátria Amada”, dos Inocentes, banda da qual Clemente é vocalista. Eles também apresentaram “Nação Daltônica”, que dá nome ao último trabalho da banda, música com discurso contundente, bem ao estilo das letras da Plebe. Uma abertura em grande estilo.
Anedotas do rock’n’roll: sonhos que se realizam
A Gerente de Compras Lucimara Pelegrini, de 43 anos, estava feliz por poder prestigiar o show do Guns. Nessa grande noite, ela tinha companhia mais do que especial para o show, a filha Carolina Pelegrini, de 12 anos, baterista, apaixonada por rock e influenciada positivamente pelo gosto da bela e jovem mãe. “Em casa, a gente só escuta rock, comprei os ingressos sem a Carolina saber e ela fez um escândalo quando viu os convites”, conta Lucimara. Fã das músicas do Guns, Carolina revela sua preferida: “A música que mais gosto é November Rain, estou muito animada com o show, vai ser muito legal”.
Felipe Castelo Branco, de 14 anos, conta que já tirou Knockin’ on Heaven’s Door e Sweet Child O’ Mine no baixo. A dedicação não é para menos, já que seu pai, o empresário Flávio Castelo Branco, de 47 anos, é fã de longa data: “Sou fã desde sempre, desde que lançaram o primeiro disco em 1987, já fui a vários shows deles, é sempre bom ver um show do Guns n’ Roses”.
Bebedores inveterados de cerveja, o oftalmologista Dirceu Rosa Moreira, de 38 anos, e o analista de sistemas, Fábio Henrique Moura, de 33 anos viajaram 150 quilômetros de Amparo, no interior paulista, para realizar o sonho de ver o Guns. “Assim como os Rolling Stones e o AC/DC, o Guns n’ Roses também tem um guitarrista que se destaca, e essa essência original da banda, essa reunião dos caras é o que viemos conferir”, explica Dirceu.
A médica Tatiana Pereira, de 42 anos, seu marido, Luís Reinaldo Pereira, de 41 anos, e o filho do casal, Luís Rogério Pereira, de 13 anos, vieram de Jacareí, no Vale do Paraíba. A ideia, segundo a família, foi do Luís pai. “Vi o Guns pela primeira vez em 1992 aqui em São Paulo. Somos músicos e tocamos várias músicas deles, eu na bateria e ele na guitarra. O Luís Rogério aprendeu a gostar de rock com o Guns n’ Roses e sempre me perguntava se um dia eles voltariam a tocar juntos, e tá ai, eles voltaram”, comemora Luís Reinaldo. Eufórico, o menino conta que Guns n’ Roses é seu primeiro show de verdade: “Meu pai cultivou o rock em mim e ele acabou passando esse gosto também para a minha mãe, lá em casa todo mundo escuta rock”, vibra o jovem fã.
E por falar do show de 1992, a jornalista Patrícia Laroca também estava lá. Na época, ela tinha 18 anos e se lembra do episódio em que Axl Rose cancelou a apresentação ainda nas primeiras músicas: “Era o segundo dia de show em São Paulo e o Axl ficou muito bravo depois que uma bota foi arremessada ao palco. Choveu muito, esperamos horas e num determinado horário nos avisaram do cancelamento e de que o show tinha sido transferido para o dia seguinte. Saímos de lá e fomos ao Maksoud Plaza, reclamar com a banda”.
Set List
It’s So Easy
Mr. Brownstone
Chinese Democracy
Welcome to the Jungle
Double Talkin’ Jive
Better
Estranged
Live and Let Die (cover de Paul McCartey)
Rocket Queen
You Could Be Mine
You Can’t Put Your Arms Around A Memory/Attitude
This I Love
Civil War
Coma
Solo do Slash com o tema do Poderoso Chefão
Sweet Child O’ Mine
Medley (“Wish You Were Here/Layla”)
November Rain
Knockin’ on Heaven’s Door (cover de Bob Dylan)
Nightrain
Medley (Babe I’m Gonna Leave You)/Don’t Cry
The Seeker (cover do The Who)
Paradise City
VEJA GALERIA DE FOTOS DO SHOW:
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