Por Flávia Carvalho
Pouco antes das 16h, horário programado para a abertura dos portões do Allianz, já quase não havia espaço nas calçadas ao redor do estádio. Isso porque os fãs chegaram o mais cedo possível – alguns até acamparam – para conseguir bons lugares. De bandanas a bandeiras e jaquetas com patches de bandas, tudo o que diz respeito ao bom e velho estilo rock n’ roll estava presente ali, no público que aguardava ansiosamente a última noite de shows do São Paulo Trip. E a espera começou a valer a pena logo cedo.
Banda do momento
As 17:20, a banda Tyler Bryant & The Shakedown, subiu ao palco do festival com seus cabelos longos e rostos jovens. O grupo, que se apresentou na última quinta-feira 21/09 no Rock in Rio, na mesma noite em que Alice Cooper, Def Leppard e Aerosmith tocaram e foi considerado uma das grandes revelações do festival, agora se apresentava em São Paulo, sob olhares atentos do público. E não demorou muito para os meninos de Nashville esquentarem o comecinho de noite com suas músicas que misturam Blues, Hard Rock e Country Music.
A banda é composta por Tyler Bryant, vocal e guitarra, Caleb Crosby, bateria, Noah Denney, baixo e backing vocal e, na guitarra, Graham Whitford. Aliás, uma curiosidade sobre o Graham é que ele é filho de Brad Whitford, guitarrista do Aerosmith. A presença da banda em cima do palco é inegável, principalmente por conta do vocalista Tyler Bryant. O rapaz se sentiu em casa e mostrou que, mesmo sendo uma banda recente, a bagagem e influência que eles trazem é de muita qualidade. Não foi à toa que o público vibrou com músicas como House of Fire, Lipstick Wonder Woman e com a versão rock n’ roll de Got My Mojo Workin (cover de Ann Cole).
A escolha de Tyler Bryant & The Shakedown para abrir os shows do último dia do São Paulo Trip não poderia ter sido mais acertada. A banda terminou o show com muitos aplausos do público – e gritinhos agudos de fãs que estavam na grade. Ali, já dava pra perceber que a noite seria de muita música de qualidade.
Espetáculo de Horror
E, assim que a banda se despediu do público, começou uma nova espera, dessa vez por Alice Cooper. Por volta das 18:30, as luzes se apagaram e o espetáculo – porque sim, é assim que o próximo show deve ser chamado – começou. Ao som de Brutal Planet, Alice Cooper subiu ao palco, muito ovacionado pelos fãs, que já sabiam o que estavam prestes a presenciar. E não teve erro, foi uma sucessão de hits em meio a um espetáculo teatral.
Mesmo com o passar dos anos, a presença do vovô do rock é sempre de encher os olhos. O vocalista não se poupa em suas caras e bocas e artimanhas para entreter o público. Com um som pesadíssimo, a banda de Alice Cooper mostrou ao público que ali era a hora deles – e acho que, por um bom tempo, a galera realmente nem lembrou que eles não eram a banda principal da noite.
Precisamos falar sobre Nita Strauss, a virtuosíssima guitarrista californiana que além de encher os olhos do público – haja beleza – ainda manda muito nos solos. A presença da guitarrista, de apenas 30 anos, rouba a atenção em vários momentos. Com suas mãos ágeis e poses de quem sabe o que está fazendo, Nita Strauss é verdadeira representação do Girl Power que a gente queria ver. A banda de Alice Cooper conta ainda com Chuck Garric, baixo, Ryan Roxie, guitarra, Glen Sobel, bateria e Tommy Henriksen, guitarra.
Músicas como No More Mr. Nice Guy, e Poison fizeram a plateia soltar a voz e cantar junto, mas foi a partir de Feed My Frankenstein que o show pegou fogo – literalmente. A já conhecida simulação do Mr. Cooper se transformando no monstro e a entrada de um boneco de Frankenstein enorme no palco fez o público ir ao delírio. Dali em diante, o show performático tomava conta do estádio. Os olhos da plateia estavam vidrados no palco para não perder nenhum detalhe.
O ápice da noite veio com Only Woman Bleed, onde o mr. Cooper simula o assassinato de uma bailarina e, logo em seguida, é decapitado ao som de I Love the Dead. Nesse momento, pude ouvir uma senhora que estava ao meu lado dizer “gente, o que tá acontecendo? Isso não é normal”. Vale frisar que o espetáculo é de “terror”, mas beira o bizarro. Depois de tanto teatro, era hora de se despedir do público em grande estilo com a já aguardada School’s Out, com direito a participação de Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura. Alice Cooper e sua banda deixaram o palco com muitos aplausos e uma plateia satisfeita.
O momento mais aguardado da noite
Os relógios marcavam 20:30, horário previsto para o início da apresentação da banda principal da noite, Guns n’ Roses, mas se passaram alguns bons minutos antes do show de fato começar. O pequeno atraso, no entanto, não fez nem cócegas nos fãs que já presenciaram atrasos de mais de uma hora em apresentações da banda. Vale lembrar que esses atrasos enormes não acontecem desde que a atual turnê Not in This Lifetime começou, no ano passado. Turnê que, aliás, está passando pela segunda vez no Brasil – e terceira em São Paulo – em menos de 1 ano.
Sem mais delongas, ao som de It’s So Easy, o Guns finalmente entrou no palco. Aquele era o momento onde muitos fãs que não puderam comparecer aos shows do ano passado, nem ao Rock in Rio, puderam finalmente presenciar Axl, Slash e Duff juntos, no mesmo palco. Algo que, pra muitos, era inacreditável. O show começou muito energético e trouxe hits como Mr. Brownstone, Chinese Democracy, Welcome to the Jungle e Double Talkin’ Jive numa sequência arrebatadora, dando uma “pausa” apenas em Better, que apesar de ser muito querida entre os fãs, é um dos momentos onde podemos notar os problemas na voz de Axl Rose.
Voz polêmica para um vocalista polêmico
Sim, é fato que não se pode esperar que o Axl, atualmente com 55 anos, cante como nos anos 80. Ainda que hajam comparações – injustas – com o Steven Tyler (vocalista do Aerosmith), de 69 anos, são situações e histórias diferentes. Axl Rose é conhecido por ter um dos maiores alcances vocais de todos os tempos, mas também é conhecido por não ter cuidado muito da voz e ter usado, durante um bom tempo, a técnica de vocal rasgado (o drive) de forma errada. O que poderia ter prejudicado sua voz… e prejudicou. Esses problemas, no entanto, não são recentes e já até foram “superados” pelo vocalista, que vem cantando muito melhor durante essa turnê do que há alguns anos.
O que trouxe à tona as falhas do vocalista foi a controversa apresentação no festival Rock in Rio, no último sábado, que dividiu opiniões ente os telespectadores, que comparavam a voz do cantor com a do Mickey. Quem estava presente no Rock in Rio alega que a voz não estava nem de perto tão ruim quanto aparentava na TV. E é algo que faz muito sentido, uma vez que a qualidade de som mostrada em transmissões ao vivo é realmente muito baixa. Fato é que muitos ali no Allianz estavam aguardando, com certo receio, o que estaria por vir.
E o resultado foi bem melhor do que o esperado. Os fãs puderam tirar a prova de que, mesmo sem a voz dos anos 80, o Axl Rose dos drives inesquecíveis e do grave marcante ainda está ali e não veio pra brincadeira. Correndo de um lado do palco para o outro, diversas vezes, o vocalista mostrou que está em forma – na medida do possível – e que pode sim aguentar mais de 3 horas de show. A longa duração, que foi motivo de preocupação para muitos, pareceu bem menor e menos cansativa na prática.
Nem só de Axl Rose vive o Guns – ainda bem
Quem parece não ter perdido o jeito é Slash, que convenhamos é um show à parte. A cada música, temos a sensação de que a vontade de mostrar que ele está de volta é ainda maior. Praticamente sem deslizes, o virtuoso guitarrista repete alguns de seus solos históricos como os de November Rain, Sweet Child o’ Mine e o clássico The Godfather Theme, como se fosse a primeira vez.
Outro que parece estar cada vez mais jovem é o Duff Mckagan, que “substituiu” Axl Rose no posto de galã da banda, e se mantem sempre impecável no palco. Seu baixo marcante, principalmente em Coma, é uma das coisas mais prazerosas de se ouvir nos shows do Guns. E já que estamos falando dos integrantes clássicos, é difícil não se emocionar com o solo de Dizzy Reed em Estranged.
Os “novatos” também têm sua parcela no sucesso do show. Tanto Frank Ferrer, baterista, quando Melissa Reese, tecladista, vêm conquistando, cada vez mais os fãs exigentes da banda, e não é pra menos, os dois seguram muito bem as pontas, deixando o show amarradinho, mas quem parece já ter garantido seu espaço mesmo é o talentoso guitarrista Richard Fortus, que divide vários momentos importantes com o veterano Slash.
Show quente, plateia fria
Se o Guns surpreendeu positivamente, o público foi pelo caminho contrário. Em muitos momentos, era perceptível o silêncio de muitos que estavam presentes, mesmo durante os maiores hits. As pessoas pareciam querer apenas observar – e registrar com vídeos e selfies – o show. Mesmo ali do lado da grade, havia muitas pessoas que simplesmente não se mexiam, mas alegavam estar curtindo o show. O que frustrava os fãs que, de fato, estavam ali cantando e pulando em todas as músicas.
Inclusive em November Rain, onde a plateia enche bexigas vermelhas, transformando o estádio em uma linda homenagem à banda, a interação foi mais fraca – e bota fraca nisso – em comparação aos dois shows de 2016 no mesmo estádio. Ainda assim, foi o público mais animado dos 4 dias de festival.
Chuva de hits
A banda, que já foi considerada a “mais perigosa do mundo”, trouxe quase o mesmo setlist do Rock in Rio para São Paulo, salvo a retirada Sorry e a troca de Whola Lotta Rosie, do AC/DC pelo cover de James Brown, I Feel Good. Aliás, a quantidade de covers é um assunto que tem sido bem controverso nas apresentações da banda, uma vez que muitos fãs alegam que o tempo – e voz do Axl – gastos em cover, poderiam ser usados para tocar músicas que são frequentemente pedidas pelos fãs, como por exemplo Dead Horse.
Mas isso não estragou o show, que contou com hits históricos como Civil War, Rocket Queen, You Could Be Mine, Yesterdays, Nightrain, Don’t Cry e Patience. Ufa, é sucesso pra ninguém botar defeito. Com pouco mais de 3 horas de duração, a banda, que quase não interagiu verbalmente com os fãs, fez o bis com The Seeker, cover de The Who e a lendária Paradise City, com direito a chuva de papéis picados e muitos, mas muitos aplausos do público. O Guns n’ Roses fechou o último dia do São Paulo Trip com saldo positivo, além de tranquilizar os fãs mais céticos.
E assim terminou o último dia de shows do São Paulo Trip, com shows de alta qualidade para ninguém botar defeito.
Setlist do Guns N’ Roses:
1. It’s So Easy
2. Mr. Brownstone
3. Chinese Democracy
4. Welcome To The Jungle
5. Double Talkin’ Jive
6. Better
7. Estranged
8. Live and Let Die (Wings cover)
9. Rocket Queen
10. You Could Be Mine
11. New Rose (The Damned cover)
12. This I Love
13. Civil War
14. Yesterdays
15. Coma
16. Slash Guitar Solo
17. Speak Softly Love
18. Sweet Child O’ Mine
19. Wichita Lineman (Jimmy Webb cover)
20. Used To Love Her
21. My Michelle
22. Wish You Were Here (Pink Floyd cover)
23. November Rain
24. Black Hole Sun (Soundgarden cover)
25. Knockin’ On Heaven’s Door
26. I Got You (I Feel Good) (James Brown cover)
27. Nightrain
Bis:
28. Don’t Cry
29. Patience
30. The Seeker (The Who cover)
31. Paradise City
Setlist de Alice Cooper:
1. Brutal Planet
2. No More Mr. Nice Guy
3. Under My Wheels
4. Billion Dollar Babies
5. Paranoiac Personality
6. Woman of Mass Distraction
7. Guitar Solo (Nita Strauss)
8. Poison
9. Halo of Flies
10. Drum Solo (Glen Sobel)
11. Feed My Frankenstein
12. Cold Ethyl
13. Only Women Bleed
14. I Love the Dead
15. I’m Eighteen
Bis:
School’s Out
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