Por Claudio Borges
Os mais de quarenta anos de história musical dos australianos do Hoodoo Gurus foram passados a limpo diante de um público heterogêneo composto por surfistas grisalhos e/ou carecas, suas musas douradas e até por quem não frequenta campeonatos de surf e nem praias.
Com um repertório tão misturado quanto o excelente público – ao apresentar o grupo, o empresário Ricardo Chantilly, responsável pela turnê, confirmou o Rio como o maior público da excursão, que já havia passado por São Paulo e Porto Alegre -, Dave Faulkner (vocal e guitarra), Brad Shepherd (guitarra, harmônica e vocal), Richard Grossman (baixo) e o novato Nik Reith (bateria) entregaram um show poderoso e sem frescuras, que não precisa se apoiar em backing tracks. Repleto de seus hits dos anos 80/90, canções mais recentes e algumas (bem) pouco conhecidas, foi um belo passeio sonoro, que poderia ter sido mais bem arrumado para que não tivesse causado momentos de apatia em boa parte dos presentes.
Fora esse pequenino descuido, tanto quem apenas objetivava reviver seus gloriosos dias ensolarados, quanto quem ansiava por curtir um bom show de rock numa outonal sexta-feira, teve o que queria. O Qualistage – outrora Metropolitan -, palco da última apresentação do grupo, no longínquo 1997, encheu e mostrou que o carioca gosta, sim, de rock e a falta de shows na cidade reflete mais a obtusidade dos organizadores, do que falta de interesse do público.
A casa cheia era o prenúncio de uma boa festa, com direito a plateia bem colorida, diferente do predominante mar de camisetas pretas com estampas de bandas que se vê de forma mais costumeira.
Antes dos donos da festa, uns “penetras” esquentaram quem apareceu mais cedo. A competente VA’A Surf Band fez a alegria de quem se sentia na areia da tal “surf music”. De Midnight Oil a v.Spy v.Spy, passando por Ganggajang e até R.E.M. e The The, o quarteto animou e arrancou boa reação dos locais.
Mas a festa tinha dono e, após quarenta minutos, os anfitriões, que não são mais haoles, chegaram embalados por um percussivo tema instrumental. “Hey cariocas! Muito bom ver vocês!” Assim mesmo, em português fluente que seria usado durante toda apresentação, o sorridente Dave Faulkner apresentou os integrantes e iniciou com “World of Pain”, retirada do último álbum, o correto Chariot of the Gods (2022). Não era a abertura esperada e a reação foi um tanto morna, o que mudaria em seguida com “Another World”, do clássico Magnum Cum Louder (1989).
Se o esperado era a sonoridade power e jangle pop contida, sobretudo, na clássica trinca Blow Your Cool! (1987), Magnum Cum Louder (1989) e Kinky (1991), isso foi frustrado quando, na primeira etapa do show, os simpáticos australianos alternaram as menos conhecidas “The Right Time” e “The Other Side of Paradise”, com as novas “Answered Prayers” e “Chariots of the Gods”. Espremidas entre elas, hits menores, como as deliciosas “I Was the One” e “If Only…”, foram suficientes para manter o público ligado. Mas foi em “Night Must Fall” que aconteceu a primeira cantoria mais alta e celulares foram erguidos para registros visuais. A faixa, extraída do bacana Blue Cave (1996), foi bastante executada nas rádios cariocas, na segunda metade da década de 1990, e confirmou seu status de hit ao ser entoada por cerca de sete mil pessoas.
A origem sonora dos Gurus está bem fincada no garage rock com toques psicodélicos e nos já mencionados power e jangle pop. Porém, no Brasil, convencionou-se atrelá-los à limitadora “surf music”. Alcunha advinda do fato de surfistas, em suas viagens atrás da onda perfeita, descobrirem bandas para adornar seus “sunsets” e servir de trilha para os inúmeros vídeos registrando proezas nos picos mais famosos. Como a Austrália sempre foi um point de ondas e campeonatos, muitos traziam, além das pranchas, suas descobertas musicais. E assim foi com Hoodoo Gurus, Ganggajang, v.Spy v.Spy, Vanilla Chainsaws, INXS, Midnight Oil, entre outros. Alguns furaram a bolha, outros permaneceram circunscritos às bermudas floridas e à parafina no cabelo.
O som identificado como característico das areias é a mistura de guitarras dedilhadas, melodias assobiáveis, baixo poderoso e refrãos contagiantes. Exemplo? O sensacional power pop de “I Want You Back”, do primeiro álbum, Stoneage Romeos (1984). Desse debut também emergiram “Leilani” com sua batida tribal (primeira música lançada em compacto, quando ainda se chamavam Le Hoodoo Gurus e apenas com Faulkner presente) e “Tojo”. Importância histórica não foi garantia do entusiasmo de muitos. A essa altura, parecia que a escolha das canções estava um pouco truncada, devido à constante alternância.
Seguindo a marola, “Poison Pen” (Mars Needs Guitars, 1985) vê Ben Shepherd abandonar sua Les Paul branca em favor de uma harmônica. Na sequência, assume os vocais principais na novata “Equinox” (“uma canção sobre boa sorte”). Se o quarteto funciona muito bem, como uma unidade sonora coesa e bem integrada, há que se destacar a habilidade do guitarrista, seja nos seus preciosos adornos guitarristicos sem virtuosismos tolos, ou nas belas harmonias vocais junto à peculiar voz de Faulkner. Segurando tudo está o baixo de Grossman, com força propulsora ao mesmo tempo que deixa espaço para boa interação das guitarras. No grupo desde 2015, Reith mostrou que fez o dever de casa e se integrou bem ao espírito do quarteto, até nas camisas coloridas e um tanto kitsch, uma das marcas registradas do quarteto.
De marola em marola se chega nas grandes ondas de “Castles in the Air”, “Out That Door” (“muitos pedem essa música no instagram”), “What’s My Scene” e “Bittersweet” em uma sequência arrasadora, de deixar sem fôlego. Só não foi perfeito porque resolveram encerrar a primeira parte do show com a energética, porém desconhecida da maioria, “I Was a Kamikaze Pilot”.
A volta para o bis foi tão curta que nem deu tempo de se preparar para o tubo perfeito que foi a dobradinha com as mais esperadas “Come Anytime” e “1000 Miles Away”. Teria sido o grande encerramento capaz de mandar todos para casa com largos sorrisos, mas ainda tinham gás para mais uma onda.
“Dá tempo para mais uma, mas não temos mais o que tocar, tocamos tudo!” Não Dave, ainda faltam “I Don´t Mind”, “A Place in the Sun”, “Good Times”, “All The Way”, “Desiree”, “Death-Defying”, “Axegrinder”, “Generation Gap”… continuo? Não precisei, mandaram “Like Wow – Wipeout” e deixaram o palco, dando a impressão de um segundo retorno logo em seguida. Não ocorreu, ficou apenas o gosto de quero mais.
Cabiam, pelo menos, mais umas duas músicas. Ainda assim, foi um ótimo show para matar a saudade e mostrar que estão além da camisa de força do rótulo ao qual teimam em prendê-los. Tomara que não demorem mais 26 anos. Voltem quando quiserem.
SETLIST HOODOO GURUS (RJ):
1 – World of Pain
2 – Another World
3 – The Right Time
4 – The Other Side of Paradise
5 – I Was the One
6 – Leilani
7 – Answered Prayers
8 – Night Must Fall
9 – Tojo
10 – If Only…
11 – Chariot of the Gods
12 – I Want You Back
13 – Poison Pen
14 – Equinox
15 – Castles in the Air
16 – Out That Door
17 – What’s My Scene
18 – Bittersweet
19 – I Was a Kamikaze Pilot
BIS
20 – Come Anytime
21 – 1000 Miles Away
22 – Like Wow-Wipeout
GALERIA DE FOTOS (Hoodoo Gurus/ RJ):
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