Texto e Edição: Gustavo Franchini

Definitivamente um dos maiores e melhores nomes do instrumento em escala global, o guitarrista Kiko Loureiro (ex-Megadeth, Angra), após uma turnê de impacto no ano passado, retoma a estrada na América Latina para shows que tem uma proposta um pouco diferente. Ainda que valorizando a versatilidade do que é apresentado, somado ao lançamento do mais recente álbum Theory of Mind (2024), desta vez também surpreende a todos com a participação mais do que especial de Marty Friedman, que fez história no passado glorioso da mesma banda de Dave Mustaine.
Com datas que foram marcadas em diversas cidades, todas gerando uma repercussão do mais alto nível para os presentes no evento, o show no Rio de Janeiro foi único pelo fato de ser a sua cidade natal e pela presença de um trecho de “No Pain for the Dead” (Angra) para os fãs cariocas. Em Curitiba, tivemos a versão acústica de “Make Believe” dedicada a Andre Matos, enquanto que em São Paulo rolou a “Enfermo” (de sua carreira solo, do álbum de estreia No Gravity, de 2005). Ou seja, cada um teve a sua particularidade, o que é bem legal para um artista que gosta de explorar bastante a gama harmônica de sua carreira.
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Após uma breve introdução no PA da casa, a ótima “Blindfolded” do novo álbum e sua pegada mais prog metal, em um belo uso de bends para notas emocionantes, é emendada com a melódica “Reflective”, a única do Sounds of Innocence (2012), e a cadenciada “Overflow”, do Open Source (2020). Eis que Kiko assume os vocais enquanto toca “Killing Time”, a primeira da noite de seu período com o Megadeth. Convenhamos que cantar não é o melhor atributo do nosso querido tesouro nacional, mas é interessante ver a sua empolgação e vontade de mostrar que estava ali em cima do palco para se divertir com todos, mostrando seu amor pela música em todas as formas.
Por falar em sua brasilidade, um dos momentos mais memoráveis do espetáculo se deu com a execução de “Pau-de-Arara”, talvez a composição em sua carreira que melhor representa a mistura de heavy metal com a cultura tradicional de nosso país, que ainda teve um breve interlude de “Hunters and Prey” (outra que é excelente neste sentido), belos solos e uma pegada que só quem é brazuca entende de verdade, pois tá na veia. Pra fechar este ato do repertório, a “No Gravity”. E o curioso é que teria mais por vir ao longo da noite, o que mostra seu respeito pelas origens com muito bom gosto.
É difícil chamar de ‘banda de apoio’ a cozinha que o acompanhou nesta turnê, visto que era simplesmente composta pelos já conhecidos Felipe Andreoli no baixo e Bruno Valverde na bateria, ambos do Angra, somado aos competentes Luiz Rodrigues (guitarra) e Alírio Netto (vocal). Praticamente um dream team de músicos de elevado calibre e que casaram de modo perfeito com todo o setlist, chegando a ser impressionante o entrosamento entre eles, por conta do profissionalismo. De fato o Brasil é recheado de grandes nomes na cena!
“Vamos ver se vocês conhecem essas”, desafia Kiko antes de tocar o medley que faria o público começar a pular de maneira enlouquecida, e é claro que estamos falando de seus tempos no Angra. A sequência matadora de “Carry On”, “Spread Your Fire”, “Nova Era”, “Morning Star”, “Evil Warning” e a grata surpresa com “Speed”, sem sombra de dúvidas gerou um brilho nos olhos da plateia. É interessante ver como seus riffs, solos e bases são tão potentes quando acompanhados desta maneira.
Tendo os cariocas nas mãos, chegou a hora de Kiko mostrar a marca que deixou no Megadeth com sua autoral “Conquer or Die!”. Seu começo acústico com influência clara de Heitor Villa-Lobos, é talvez um dos mais brilhantes já criados pelo guitarrista em toda a sua vasta discografia. Que lindo de assistir uma composição tão coesa e organicamente construída. A premiada “Dystopia” (que ganhou o Grammy em 2017) viria a seguir com Kiko cantando novamente, outro ponto alto do show.
Com tantos músicos de qualidade em cima do palco, não poderia faltar uma jam para mostrar a brincadeira dentro de improvisações, que abriram caminho para “Mind Rise”, também do novo álbum, que encerraria mais um ato do show. Só seria possível passar a se empolgar ainda mais a partir da metade do setlist se realmente surgisse um frontman animadíssimo, e ele tem nome: Alírio Netto (ex-Shaman, Khallice, Age of Artemis).
Vale ressaltar a presença de palco, carisma e interaçao com o público de Alírio, que claramente estava muito feliz de estar ali, mostrando isso não só no quesito estético como vocalista headbanger, mas em seu desempenho vocal que deixou a todos boquiabertos. Não só cantou as músicas no tom original, mas também acrescentou algumas notas mais altas e os clássicos agudos com falsete e drive que empolgam os fãs de heavy metal. “Nothing to Say” e “Angels and Demons” são exemplos de como o cantor sabe o que está fazendo.
Como já mencionado, a “No Pain for the Dead” parece que foi tirada da cartola na hora, no momento mais intimista em que Kiko e Alírio se sentam para o set acústico. Os acordes de “Late Redemption” surgem de maneira um pouco atrapalhada, mas logo voltam ao normal e é mais uma cantada em uníssono pela plateia. Por algum motivo, Kiko encaixou a emblemática “Heaven and Hell” (Black Sabbath, na era Dio), versão cover que ficou boa neste formato, mas sinceramente seria melhor se apenas Alírio cantasse, já que ele estava ali ao lado. Adequando para um tom mais tranquilo de cantar, ao menos ficou afinada.

E então chegou o momento que todos esperavam, a entrada do simpático guitarrista Marty Friedman, que transformou o show em algo realmente com um ‘flavor a mais’. O público teve a honra de presenciar o músico das botas a la Kiss em duelos de guitarra com Kiko, em composições próprias como as muito bem recebidas “Hyper Doom” e “Tearful Confession”, além da execução do seu maravilhoso solo em “Tornado of Souls”, considerado por muitos como o melhor da história do gênero.
O americano queria aprender mais sobre música brasileira e portanto a dupla “Asa Branca” e “Brasileirinho” (respectivamente de Luiz Gonzaga e Waldir Azevedo), duas das músicas mais icônicas de nosso país, ganhou uma versão roqueira com direito a solos improvisados e um pouco do estilo de cada um dos guitarristas ali nos arranjos. O hit da segunda era do Angra, “Rebirth”, a pedido do próprio Marty, também foi agregado com nuances, esta configurada com um solo adicional dele na introdução antes da entrada da linha vocal, o que ficou sensacional!
Pra fechar uma apresentação tão consistente e cheia de emoções, a escolha de “Stormbringer” honestamente soou um pouco esquisita, pois apesar de ser uma canção fabulosa da era David Coverdale/Glenn Hughes no Deep Purple, e de já ter sido tocada na outra turnê (quase como se fosse uma extensão da mesma), não fez muito sentido se for considerada a ambientação que se desenvolvia ao longo da noite, mas provavelmente é uma das favoritas de Kiko e ele quis ter o prazer de tocar/cantar ao vivo. Soou como ‘festa da firma’; óbvio que não tirou em nada a beleza de todo o setlist. Agora nos resta aguardar pelos próximos passos do nosso orgulho nacional e torcer para que a cidade maravilhosa faça parte desta jornada!
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a Rider2, Estética Torta e Top Link pela parceria, confiança e credibilidade dada mais uma vez à equipe do Universo do Rock.
Veja a galeria de fotos do show (Kiko Loureiro/ RJ):





































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