Legião Urbana embala madrugada nostálgica e festiva na Fundição Progresso

Por: Danielle Barbosa
Foto: Ana Clara/Universodorock
Foto: Ana Clara/Universodorock

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá retornam ao Rio com a turnê “XXX anos”e enlouquecem multidão

Há três meses, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, na companhia de André Frateschi nos vocais, Mauro Berman no baixo, Roberto Pollo nos teclados e Lucas Vasconcellos na guitarra, davam início a ronda de shows pelo país para celebrar os 30 anos desde o lançamento do primeiro disco da banda, em 1985. Em janeiro, o Rio de Janeiro também foi a capital que deu o pontapé na turnê “Legião Urbana XXX anos”. Na época, a apresentação ocorreu na zona oeste da cidade – mais precisamente na Barra da Tijuca.

Desta vez, os músicos resolveram agraciar os fãs cariocas da região boêmia da Lapa. Para isso, a Fundição Progresso foi o palco de mais uma grande apresentação dos artistas com lotação esgotada de legionários apaixonados. Nada mais justo, afinal não é todo dia que uma das maiores e mais bem sucedidas bandas nacionais de rock completa trinta anos de um álbum que apresentou ao país composições profundas, atuais e que ainda influenciam milhares de pessoas.

O frisson tomou conta do ambiente assim que os primeiros acordes de “Será” ecoaram por volta de 0h30 da madrugada de sábado para domingo. A intensidade com que cada pessoa – dos mais jovens aos mais velhos – cantou e vibrou cada trecho da música foi de arrepiar. Da mesma forma como no show em janeiro, o repertório foi dividido em duas etapas: na primeira parte da apresentação, o disco homônimo e homenageado pela banda foi apresentado na íntegra, com todas as onze canções que o compõem; enquanto que na segunda metade do show, uma mescla entre os outros sete álbuns de estúdio da Legião Urbana foram prestigiados – com hit atrás de hit.

No palco, André Frateschi – que tem uma longa história de amizade com Dado e Marcelo, além de ter participado da história da Legião – e os próprios músicos da formação original revezaram nos vocais, sempre contando com o apoio e paixão da plateia, que fez bonito nas onze faixas do CD. Nas canções mais emblemáticas, como “Petróleo do Futuro”, “Ainda é Cedo”, “Geração Coca-Cola”, “Soldados” e “Por Enquanto”, o entusiasmo foi ainda mais evidente e o que se viu foi um público que não deixou de pular e soltar a voz do início ao fim. Em “Por Enquanto”, canção que fechou o primeiro ciclo da noite, os fãs se emocionaram e levaram boa parte do sucesso à capella, transformando o momento em um dos pontos de destaque do show – que ainda teve o refrão de “Heroes”, cover do lendário David Bowie – puxado por Frateschi pouco antes das luzes apagarem e darem espaço para uma mensagem de Renato Russo, original líder da Legião Urbana, no telão.

Entre gritos incessantes de “Uh uh, é Legião!” e palmas, voltaram ao palco cheios de energia e enlouqueceram o público com a tríade “Tempo Perdido”,  “Daniel na cova dos leões” (do álbum “Dois” – 1986) e “Há Tempos” (“As Quatro Estações”, 1989). Nos camarotes da Fundição Progresso, não havia uma pessoa sequer sentada. Por outro lado, as fãs disputavam espaço por uma visão melhor do palco nas pistas. E, apesar do forte calor e aperto, ninguém conseguia ficar parado.

O show seguiu e dois convidados foram chamados ao palco para assumir os microfones. Jonnata Doll, que já havia apresentado seu som na abertura da casa, comandou os vocais em “1965 (Duas Tribos)”, do álbum “As Quatro Estações”, fazendo menção à tensão política que o país vive com os eventos que se sucedem no Planalto da República e afirmando que vamos superá-los. Mais adiante, representando as meninas roqueiras, a vocalista Marina Franco cantou os sucessos “Dezesseis”, do álbum “A Tempestade ou o Livro dos Dias”, e “Meninos e Meninas”, canção inédita no repertório em comparação ao show do início do ano no Rio. “É uma honra estar no Rio, na Lapa! Um salve para as minas (sic) do rock!”, se despediu a cantora.

Foto: Ana Clara/Universodorock
Foto: Ana Clara/Universodorock

Já passada mais de uma hora e meia de apresentação, não havia cansaço. Pelo contrário. Em “Eu Sei” (“Que País é Este?”, 1987), Frateschi jogou trechos do refrão pro público, que representou e cantou a plenos pulmões. O fim da segunda metade do show foi sucesso atrás de sucesso: “Pais e Filhos”, “Angra dos Reis”, “O Teatro dos Vampiros”, “Quase sem querer” e “Índios” fecharam a setlist pré-bis.

Até este momento, no entanto, o contato verbal com a plateia havia sido tímido. André Frateschi como músico é pouco falante, mas muito dinâmico e com presença de palco. Conduz palmas, interage em coros, se movimenta de um lado para o outro e traz a plateia pra participar ativamente a todo o momento. Quem troca mais uma ideia com os fãs é o guitarrista e membro da formação original da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos. Pouco antes do fim da segunda parte da apresentação, Dado fez questão de agradecer a presença de todos, já que os ingressos tinham se esgotado e o público presente estava dando um real espetáculo para comemorar os 30 anos do disco da Legião junto com os músicos. “Estamos comemorando 30 anos do nosso primeiro disco e da nossa vida. Fizemos isso tudo primeiro pra nós, mas pra vocês também. E ter vocês aqui nos prestigiando… Muito obrigado! Estamos aqui fazendo um show de rock para vocês e para nós!”, concluiu Dado.

Na volta do bis, três dos sons mais populares da Legião Urbana: a icônica “Faroeste Caboclo”, a crítica “Perfeição” e a auto-explicativa “Que País é Este?”. Os fãs, sentindo que o show estava prestes a acabar, deram 110% do gás que ainda tinham e quebraram tudo nessas três últimas canções. Em “Faroeste Caboclo”, canção mais longa da Legião Urbana e que conta a história de João de Santo Cristo, um homem pobre que se muda para Brasília, se apaixona e acaba morrendo por conta do tráfico de drogas. Em meio ao público, alguns fãs se desafiavam a cantar os mais de 9 minutos sem errar nenhuma parte da letra, enquanto outros ‘batiam cabelo’ e pulavam. “Perfeição” veio a seguir, marcada por duras críticas que ainda estão vigentes sobre corrupção na política, problemas sociais e hipocrisia de governantes. O “plus” ficou por conta de um trechinho de “Smells Like Teen Spirit”, maior sucesso da popular e sempre lembrada banda que fortaleceu o movimento grunge, Nirvana.

“É uma grande festa nessa arena. Não estaríamos aqui se não fossem todos que estão aqui conosco”, disse Dado, pouco antes de apresentar cada integrante que faz parte da banda. “São grandes músicos que fazem rock no Brasil.”, concluiu. A apresentação do ator e cantor André Frateschi foi especial, com direito à relembrar que a história do ator-cantor com a Legião começou há 32 anos atrás, em um camarim onde sua mãe atuava em uma peça que acontecia antes do show dos músicos de Brasília, na época reunidos com Renato Russo. “Eu sou um legionário como vocês e estava esperando há 20 anos! Sem esses dois caras, não teria show!”, rasgou-se em elogios à Dado e Marcelo.

Para se despedir com chave de ouro e deixar uma mensagem com esse viés político (completamente identificado com a Legião), “Que País é Esse?” fez com que todos cantassem e sentissem a força da letra, gravada em um período muito mais turbulento que o país vivia. “Teremos um final feliz. É o que a gente espera. Essa música foi feita em 79, vivíamos em uma ditadura militar… e é fo**!”, disse Dado. Com André jogando os braços pro alto e gritando versos de ordem da canção, a apresentação da Legião chegou ao fim na Fundição Progresso após pouco mais de 2h de rock ‘n roll de muita qualidade. “É o Brasil. Depende de nós! Valeu, Rio! Inesquecível. Muito obrigado!”, agradeceu Frateschi.

O script foi bem parecido com a apresentação de janeiro, mas de fato: cada show é um show, cada público é um público. Ainda que o cenário e as setlists sejam quase os mesmos, é sempre uma experiência diferente e válida. A Fundição Progresso representou, os músicos se doaram e o resultado foi um espetáculo lindo! No fim de tudo, a mensagem que bate forte no coração de cada legionário apaixonado é só uma… “Urbana Legio omnia vincit!”, ou seja, “Legião Urbana a tudo vence!”

Foto: Ana Clara/Universodorock
Foto: Ana Clara/Universodorock

Destaques e observações:

– Em “Pais e Filhos”, os filhos de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá subiram ao palco para tocar e homenagear os pais na canção dedicada justamente a eles. A música, que foi composta há 20 anos atrás, embalou pais e filhos que se encontravam na plateia e cantaram o sucesso abraçados;
– Em “Quase sem querer”, Dado dedicou a música a uma amiga de longa data da banda, já que esta passava por um período complicado. Sua filha pré-adolescente se encontra com problemas de saúde e está peregrinando por hospitais sucateados do Rio. A mensagem do guitarrista deixa ainda mais claro e escancarado o caos que a crise nas contas do Estado está causando;

– Em “Teatro dos Vampiros”, mais uma menção política. “No Domingo passado, vimos o que aconteceu no país. Esse é o grande ‘Teatro dos Vampiros’”, enfatizou Dado Villa-Lobos, ao comentar a sessão na Câmara dos Deputados que votava o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Roussef. Em certa parte do refrão, o músico trocou “E os meus amigos todos estão procurando emprego” por “E os meus amigos estão… tomando Rivotril!”, em virtude da situação caótica do Brasil.

– Já após os músicos terem se retirado do palco, gritos de “Não vai ter golpe” contrastaram com um coro de vaias. Por um lado, defensores do governo Dilma e anti-impeachment. Por outro, um grupo favorável ao afastamento da atual Presidente da República. Nada absurdo para um show da Legião, certo? A banda nunca vai perder esse tom político e crítico que estamos precisando mais a cada dia no Brasil. O melhor de tudo? Todos exercitaram a tolerância e se respeitaram apesar das divergências de posicionamento e foram pra casa felizes com o espetáculo que haviam presenciado.

Setlist
Primeira Parte – Legião XXX Anos
Será
A Dança
Petróleo do Futuro
Ainda é cedo
Perdidos no Espaço
Geração Coca-Cola
O Reggae
Baader-Meinhof Blues
Soldados
Teorema
Por Enquanto + trecho de Heroes (David Bowie)

Interlúdio
Profecia de Renato Russo – Trilha Sonora
Segunda Parte
Tempo Perdido
Daniel na cova dos leões
Há Tempos
1965 (Duas tribos) (Jonnata Doll nos vocais)
Dezesseis (Marina Franco nos vocais)
Meninos e Meninas (Marina Franco e André Frateschi nos vocais)
Eu sei
Pais e Filhos
Angra dos Reis
O Teatro dos Vampiros
Quase Sem Querer
“Índios”
Bis
Faroeste Caboclo
Perfeição + trecho de Smells Like Teen Spirit (Nirvana)
Que País É Este?

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