Midnight Oil: rock’n’roll e ativismo para fãs sedentos de música com conteúdo e qualidade

Por: Carla Maio
Midnight Oil | Foto: Marta Ayora

Casa cheia. Certa ansiedade no ar. Fãs preparados para uma experiência musical que transcende o ato de ir a um show de rock e ouvir boa música. A tarefa de transformar em palavras a completude do show do Midnight Oil na noite de sábado (29) no Espaço das Américas, em São Paulo, é ao mesmo tempo prazerosa e árdua, tamanha a diversidade de sensações que o show proporcionou aos fãs.

No Brasil, a turnê The Great Circle 2017 passou por Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, e termina em Brasília, com show no dia 2 de maio, no Net Live.

A banda estava separada desde 2002; seu retorno aos palcos é motivo de muita alegria para os fãs, já que é por meio da música que o Midnight Oil consegue perpetuar o espírito da contestação necessário à luta em defesa do meio ambiente e das minorias, cada vez mais ameaçados em contextos sociais os mais controversos.

Colados na grade

O show ainda não tinha começado, mas o Pedro, Wendel, Hélio, Fábio, José Renato e Eduardo já estavam ali a postos, colados na grade, não queriam perder a chance de ver o vocalista Peter Garrett, os guitarristas Jim Moginie e Martin Rotsey, o baixista Bones Hillman e o baterista Rob Hirst bem de pertinho. Eles mal se conheciam, mas a predileção pela banda era tanta que os rapazes pareciam amigos de longa data.

Empoderados, os versos de contestação de “Blue Sky Mine” invadem a casa e o público do Espaço das Américas vai à loucura. É realmente incrível ver o Midnight Oil de novo no palco, exibindo o mesmo vigor e energia que incendiaram plateias em todo o mundo. O tempo foi generoso com os australianos.

“Truganini” (Earth and Sun and Moon, 1993) vem na sequência com força, enfatizando certeira o peso das composições, clamando para que cada um de nós possa se livrar das amarras perversas do sistema.

Revivendo a natureza do espírito inconformista do rock’n roll, o espetáculo oferece ainda “Too Much Sunshine”, “Under the Overpass” e “Luritja Way”, verdadeiros hinos do álbum Capricornia, de 2002, composições despojadas, repletas de guitarras distorcidas.

Outras canções controversas, com o peso de sons eletrônicos industriais, “Redneck Wonderland”, do álbum de mesmo nome, de 1998, “Power and the Passion” (10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 1982) e “When the Generals Talk” (Red sails in the Sunset, 1984) agradam o público, que pula, dança, canta e grita à exaustão, reagindo aos tremeliques de Garrett.

Midnight Oil | Foto: Marta Ayora

Em se tratando de Midnight Oil, é difícil dizer quais dos álbuns a galera gosta mais. “King of the Mountain”, “Antarctica” e “Forgotten Years” (essa última tocada já pertinho do final) são algumas das canções que fizeram de Blue Sky Mine, de 1990, um álbum épico, que alcançou as paradas de sucesso na Austrália, Suíça, Suécia e Noruega.

O repertório diversificado foi marcado, sobretudo, pelos backing vocals poderosos do baterista Hirst, vozes que mergulham em nossas mentes. O set list também guardou surpresas incríveis para aqueles fãs saudosos, que curtiram quase que às lágrimas os riffs de “My Country” e “Earth and Sun and Moon”, ambas do álbum de 1993.

“Short Memory”, “Only the Strong”, “US Forces” e “Read About It”, todas elas do álbum de 1982, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, e também “Arctic World”, “Warakurna”, “Dreamworld”, “The Dead Heart” e “Beds Are Burning”, essas de Diesel and Dust, de 1987, deram mostras aos fãs obstinados de que se tratava de uma apresentação para iniciados. Em tempo, os referidos discos figuraram entre “Os 100 melhores álbuns australianos”, um compêndio de álbuns de rock e pop dos últimos 50 anos, publicado em outubro de 2010.

“Forgotten Years” marca o fim do show, duas horas que passaram como num piscar de olhos, levando muitos que ali estavam de volta para as melhores décadas de nossas vidas. Nada de exagero, já que a sensação era visível também no semblante dos músicos do Midnight Oil, felizes por estarem de volta, satisfeitos com a troca de energia positiva com os fãs.

No retorno para o bis, “Put Down That Weapon”, “Now or Never Land” e “Sometimes” deixaram um gostinho de mais, queremos mais. A certeza que fica é de que, em breve, o Midnight Oil vai estar de novo entre nós.

Midnight Oil | Foto: Marta Ayora

Rock’n’roll para quem quer algo mais

O curitibano Eduardo Medeiros, de 34 anos, conta com animação que acompanha todos as cinco apresentações da turnê brasileira do Midnight Oil; já assistiu os shows em Curitiba e Porto Alegre e, depois de vê-los em São Paulo e Rio de Janeiro, viaja na sequência para a capital federal, Brasília.

“Virei fã da banda ainda na adolescência. No sul do país, o Midnight Oil ficou conhecido em meio aos surfistas, era muito difícil conseguir informações naquela época, quem gostava precisava mesmo garimpar pelas músicas”. Eduardo avalia como a predileção pelo Midnight Oil impactou positivamente em sua vida. Além de aprender a tocar guitarra, ele se dedicou a compreender as letras em inglês e descobriu um universo de engajamento que fez todo o sentido para ele: “Quando comecei a traduzir as letras deles, percebi que a banda não fazia só uma música boa, de qualidade; eles fazem rock com conteúdo ativista e esse engajamento fez com que eu me tornasse ainda mais fã, me motivou a mudar meu estilo de vida”.

O engajamento ao qual Eduardo se refere é bandeira do Midnight Oil desde que a banda surgiu e já repercutiu em inúmeras ações da banda ao redor do mundo, como o concerto realizado em maio de 1990 em frente ao prédio da Exxon, em Nova Iorque, em protesto ao desastre ambiental causado pela companhia em Prince William Sound, no Alasca, ou quando em 1997, eles estiveram em São Paulo para um protesto bem humorado contra a poluição do ar na cidade.

Depois de um show incrível como o do último sábado, a pergunta que fica é: Será que o som que o Midnight Oil faz ainda tem o poder de despertar, não apenas em nós brasileiros, mas em povos oprimidos em todo o mundo, a ira e o descontentamento proativo necessários para nos fazer lutar contra qualquer forma de injustiça? Pesquisa e muitas doses de Midnight Oil para essa galera, é isso!

Set List
Blue Sky Mine
Truganini
Too Much Sunshine
Redneck Wonderland
Under the Overpass
King of the Mountain
Short Memory
Earth and Sun and Moon
Power and the Passion
Antarctica
Only the Strong
Arctic World
Warakurna
Dreamworld
My Country
When the Generals Talk
Luritja Way
US Forces
The Dead Heart
Beds Are Burning
Read About It
Forgotten Years
Encore:
Put Down That Weapon
Now or Never Land
Sometimes


VEJA GALERIA DE FOTOS DO SHOW:

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