Noite de celebração da música brasileira e espanhola envolve público carioca no Copacabana Palace -

Por Gustavo Franchini

A XI Semana Internacional de Música de Câmara do Rio de Janeiro, que levou ao público carioca uma experiência intimista nos dias 10, 11 e 12 de novembro, com direção artística de Simone Leitão (renomada pianista da atualidade) e promovido pela produtora Brasil Classical, teve como palco o Teatro do Copacabana Palace e a Sala de Câmara da Cidade das Artes. Emocionando a todos ao revelar grandes talentos brasileiros unidos a nomes veteranos da cena, como o violinista Daniel Guedes e a pianista espanhola Olga Albasini, que veio exclusivamente ao Brasil para o evento, o espetáculo do dia 11 (no qual a nossa equipe teve a honra de marcar presença) foi uma verdadeira noite de celebração da música brasileira e espanhola em miríade de sentimentos.

A primeira parte do repertório homenageia o povo sofrido nordestino com a maravilhosa obra Três Peças Nordestinas (1971), do compositor pernambucano Clóvis Pereira. Para a execução dos três movimentos, além do protagonismo evidente do violinista Daniel Guedes, que pela sua vasta experiência conduziu de maneira brilhante os talentosíssimos músicos cariocas ali presentes, tivemos Helena Camargo (violino), Stefany Stelet (viola), Willian Bregunce (cello) e Marco Delestre (contrabaixo). “No Reino da Pedra Verde” apresenta uma pegada bem característica da música do sertão, em uma harmonia complexa que abre a cortina do teatro para o que viria a seguir com “Aboio”, de fato um enlevo para os olhos e ouvidos. A melodia é tão bela que chega a envelopar suavemente a plateia que, neste momento, mantinha um sorriso no rosto de modo involuntário, pois a beleza real quando contemplada causa reações inexplicáveis. Para fechar com maestria, em um ritmo mais cadenciado, quase que cavalgante, como o nome diz, “Galope” arranca aplausos calorosos.

Eis que surge no palco a premiada pianista Olga Albasini que, com seu modo de tocar inspirador e capacidade virtuosa de alto nível, se tornou uma das mais apreciadas na música de câmara, seja no seu país de origem, seja em escala mundial. Para a sua apresentação no evento foi selecionada a obra do respeitado compositor Manuel de Falla, considerado o ‘Chopin da Espanha’ (nas palavras da própria Olga), que também tem influência do estilo impressionista por ter morado em Paris, na França, entitulada “Siete canciones populares españolas” (1914), originalmente concebida para voz/piano e ao longo dos anos adaptada com arranjos para orquestra. Com movimentos bem profundos, que percorrem uma linguagem suave e delicada, intercalada com momentos fortes e intensos, tornando a composição bem distinta entre si, remete ao processo de ‘amar’, este visto por diferentes ângulos e atrelado a certas tradições da época. Olga consegue transmitir cada movimento com precisão, deixando os desavisados boquiabertos.

A ópera “La Vida Breve” vem na sequência em um arranjo de violino e piano, no qual é possível observar um som mais conectado ao flamenco, um dos símbolos da cultura espanhola, majestosamente tocado por Daniel e Olga. A segunda parte é concluída com “Danza Ritual Del Fuego”, um ballet técnico de notas rápidas que conduz o público a uma viagem cultural, quase arrancando lágrimas dos espectadores. E, finalmente, chega o ápice do show: o épico quarteto com piano do compositor espanhol Joaquín Turina, a obra que se divide em “I. Lento – Andante Mosso”, “II. Vivo” e “III. Andante – Allegretto”, contando também com a participação do ótimo violista Samuel Passos. O que já era uma noite muito especial, se tornou memorável. Impecáveis do começo ao fim, os músicos amplificaram o poder estrutural da composição que quase não coube no espaço do teatro de tão grande que se tornou. Esplêndido!

Depois de tantos aplausos em pé, Olga voltou ao piano apenas para um breve bis, demonstrando carinho ao presentear todos que tiveram a sorte de estarem ali presentes. Agora nos resta aguardar por mais eventos sensacionais como esse aqui na Cidade Maravilhosa, pois enriquecem (e muito) a cultura no país e incentivam pessoas de todas as idades a se conectarem à música erudita que é, de fato, um oásis no deserto neste momento tão delicado que passamos durante o período pandêmico. Vida longa à música clássica!

Setlist XI Semana Internacional de Música de Câmara (RJ):

1^a parte) Clóvis Pereira