Por Gustavo Franchini
Que o baixista, cantor e compositor inglês Roger Waters, conhecido pelo seu brilhante trabalho na lendária banda de rock progressivo Pink Floyd, sempre foi alvo de polêmicas por suas posturas políticas em redes sociais e também nas suas apresentações da carreira solo, isso todos têm conhecimento. Contudo, na noite de sábado (28), no estádio do Engenhão, em sua turnê This Is Not a Drill (esta sétima turnê tendo sido originalmente prevista pra 2020, mas adiada devido à pandemia), que já havia contemplado a cidade de Brasília, os fãs cariocas se depararam com um show que focou mais em ser reflexivo do que uma celebração artística dos 50 anos do eterno álbum The Dark Side of The Moon (1973) e outras músicas clássicas do conjunto, se comparado a outras turnês já realizadas em terras tupiniquins, em especial se levar em consideração a do The Wall (1979).
Tal fato se deve ao tempo consumido do evento para discursos ideológicos, chegando a mencionar políticos, nações, guerras e outros assuntos bem sensíveis que, por mais que sejam relevantes e importantes de serem discutidos na sociedade moderna, ainda assim preencheram a maior parte do espetáculo, o que incomodou parte do público, não pelas opiniões em si, mas pela música ter sido deixada um pouco de lado em alguns momentos. A produção de alto nível estava lá, seja com fogos de artifício, seja mostrando através de 4 telões maravilhosos variadas imagens de situações devastadoras do mundo em que vivemos, chegando a ter sincronia perfeita entre tiros das armas dos personagens apresentados nos vídeos com a iluminação da parte superior do palco. Além disso, textos em 3 línguas com diversos questionamentos direcionados ao pensar do espectador, confrontando suas ideias e verdades individuais, se mostraram constantes durante a noite. E não pára por aí: gravações reais de conflitos ao redor do mundo, dentro de um contexto apresentado pelo próprio Waters, um pouco contraditório em alguns temas, mas que tratam de assuntos que são pertinentes para todos, apesar de serem muito direcionados para a visão política particular do artista, o que obviamente causa bastante desconforto, mesmo para quem concorda com tudo o que é mostrado, devido ao alto grau de agressividade de grande parte do que foi mostrado. Mas o show não se resumiu a isso, claro.
A genialidade musical de Waters entra em confronto com seu atrito recente com David Gilmour, este um dos alicerces criativos do Pink Floyd e mundialmente apontado como um dos melhores guitarristas que já pisaram neste planeta, criador do solo da sensacional “Comfortably Numb”, do The Wall, considerado o melhor da história do rock. E que, ao som de trovões em um clima bem obscuro, simplesmente foi removido por completo na nova versão da música (idealizada e gravada por Waters no ano passado) que abriu o show. Com lindos vocais femininos improvisando em cima do tema, modificando um clássico tão amado pelos fãs, tal versão gerou de imediato reações do público, em especial quem nunca teve a oportunidade de ver ao vivo a original e teve que se deparar com esta surpresa; difícil dizer se foi uma boa escolha ou não.
Para a alegria de todos, a sequência viria em seu formato original com “The Happiest Days of Our Lives” e, como não poderia deixar de ser, o hit “Another Brick in the Wall”, cantada em uníssono pela plateia que já começava a agitar bastante. De sua carreira solo, vieram as ótimas “The Powers That Be” e “The Bravery of Being Out of Range”, seguida por uma nova canção, que foi apresentada por Waters como uma música de longa duração, mas que seria resumida para o show, a surpreendente “The Bar”, na qual ele se senta ao piano e divide momentos mais introspectivos com seu público. De repente, as primeiras notas de “Have a Cigar” começam a ser tocadas na linha de baixo potente de Waters, empunhando finalmente o instrumento em mãos pela primeira vez na noite; e na pista dava pra perceber que todos já tinham um sorriso estampado no rosto. E aí veio a grande balada de sua carreira com a belíssima “Wish You Were Here”, do album homônimo de 1975, que transformou o sorriso em lágrimas de emoção. Ponto alto do espetáculo!
Para fechar a primeira parte do setlist, as igualmente clássicas “Shine on You Crazy Diamond” (uma ode ao falecido ex-integrante Syd Barrett, um dos fundadores do Pink Floyd, inclusive o criador do nome, e que direcionou o estilo psicodélico da banda desde o início, mas que sofria de questões psicológicas durante muitos anos, por isso o título) e “Sheep”, do Animals (1977). Eis que surge uma ovelha inflável sobrevoando o estádio, fazendo referência ao nome da música. Agora sim um verdadeiro show do Pink Floyd! Uma banda conhecida pelas inovações e brincadeiras artísticas com suas nuances virtuosas à época, não poderia deixar de lado tais elementos cruciais na apresentação de Waters. Vale ressaltar que o único ponto realmente negativo da noite foi o de não ter nenhuma referência a David Gilmour no momento em que os telões contam um breve resumo do início da banda e fotos de seus integrantes (Sim, por mais que seja bizarro, não tinha nenhuma foto de Gilmour). Desnecessário! E, então, um intervalo de aproximadamente 20 minutos é anunciado para a preparação da segunda parte do evento.
Depois da entrada de um simpático porco inflável, muito aguardado por quem já conhece os shows de sua antiga banda, as poderosas “In the Flesh” e “Run Like Hell” (ambas do The Wall) levam os fãs à loucura. Waters aproveita para emendar com músicas de sua carreira solo, “Déjà Vu” e “Is This the Life We Really Want?” e, sem deixar a bandeja cair, vem de sopetão com a cadenciada “Money”, clássico absoluto que retoma o The Dark Side of the Moon em sua melhor forma. Nesta música, o guitarrista Jonathan Wilson deu conta do recado nas vozes cantadas originalmente por Gilmour. Aliás, que banda o inglês conseguiu reunir! A cozinha, além de Wilson e Waters, conta com o sensacional guitarrista Dave Kilminster, dono de uma pegada e técnica incríveis. Nas partes em que Waters não toca baixo, temos Gus Seyfert no instrumento. Jon Carin (teclado) e Robert Walker (órgão e piano) dão aula! Já nas baquetas, o experiente músico americano Joey Waronker; enquanto que diversos trechos de guitarra foram interpretados no saxofone por Seamus Blake. E, por último, a dupla de cantoras Amanda Blair e Shanay Johnson, que impressionaram o público com sua versatilidade e maestria nos vocais.
Em um clima mais intimista, “Us and Them”, “Any Colour You Like” e “Brain Damage” quase se complementaram umas às outras como se fosse uma música só. E, aos poucos, a iluminação do palco vai tomando a forma de triângulos, efeitos no telão dão a entender que é o movimento da capa de The Dark Side of the Moon, da esquerda para a direita, até que, em seguida, todas as cores do prisma são representadas por canhões de luz que apontam em direção ao fundo do estádio, em um lindo espetáculo visual que foi aplaudido de pé por todos que tiveram a sorte de estar presente neste momento tão único.
O encerramento do show não poderia ser melhor: Depois de “Eclipse” e “Two Suns in the Sunset”, esta segunda uma singela canção solo no violão/voz de Waters, a volta de “The Bar” com “Outside the Wall”, em uma reunião descontraída de todos os integrantes da banda e outros músicos (até acordeon, por incrível que pareça), simulando uma social entre amigos em um Pub, realmente transformou toda aquela tensão provocada pelas questões políticas outrora mencionadas em um alívio emocional. Muito legal ver Waters, com seus mais de 80 anos, dançando no meio de seus amigos, feliz da vida, sabendo que talvez seja sua última turnê aqui no Brasil. Se depender do público carioca, que venham mais shows por aqui! Vida longa e saúde a um dos maiores gênios do universo musical.
Nossos agradecimentos a todos os responsáveis por tornarem o evento possível e, em especial, para a FleishmanHillard pela parceria, confiança e credibilidade dada à equipe do Universo do Rock.
Veja galeria de fotos do show (Roger Waters/RJ):
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