Titãs reuniu estrelas em grande espetáculo que cativou público no Rio

Por Daniel Croce e Ana Beatriz Melo


Confesso possuir uma memória afetiva dos shows do octeto, depois septeto, ali na fase do Titanomaquia, álbum deles de 1993, o primeiro sem Arnaldo Antunes. Que disco pesado do Titãs! Produção do bamba do grunge Jack Endino, e um ‘departure’ da longa série de produções feitas por Liminha, esse mesmo que completa o time ao vivo, e de facto, um nono titã, dados os anos de excelentes serviços bem prestados a banda e ao rock nacional em geral. Mas era um caminho natural para a banda que, a cada lançamento, abraçava mais e mais suas origens e influências punks. Nada mais justo que com a saída de seu membro, que escrevia de modo totalmente contemplativo e poético, sobrasse espaço para largar o aço nas guitarras pesadas e letras abusadas.

Digo isso porque essas clássicas canções, que lhes fizeram famosos, são interpretadas à risca: em velocidade, metrônomo, arranjo, peso (ou a falta dele). Tenho uma memória desta mesma banda arrebentando nas rendições ao vivo tanto em 93 quanto em 95, na ocasião do lançamento e turnê do disco seguinte, Domingo, um retorno ao lado mais pop. E esta memória voltaria forte nesta histórica apresentação que tive a honra de assistir na quinta-feira (16/11), no Qualistage, Rio de Janeiro.

Show começando nada pontualmente com 55 minutos de atraso (graças ao trânsito habitual na Cidade Maravilhosa), o público já impaciente, ao menos compensado pela maestria da trinca inicial de “Diversão”, “Lugar Nenhum” e “Desordem”, somado a sequência Nando Reis de “Igreja” e “Nome aos Bois”. E assim a impaciência dá lugar à euforia. Bem mandado, pessoal.


Com Liminha nas bases, Bellotto deita e rola nos solos e andamentos mais arrojados, fornecendo peso em dobro nas músicas da fase mais pesada; só do Cabeça Dinossauro, de 1986, são oito faixas incluídas. Outros destaques instrumentais são o batera Charles Gavin, concentradíssimo na sua Tama Starclassic e Nando Reis, ele mesmo, o maior cancioneiro do folk rock nacional, desfilando slaps e estaladas no baixo, não apenas nas músicas mais reggae/ska/pop em que ele canta. Antes de “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, Nando se diz assustado de como músicas tão antigas dos Titãs ainda soam atuais. Algumas sim, como “Homem Primata” e “Estado Violência”, por exemplo, mas muita coisa mudou e já cumpriu um o círculo novamente. Nesta seara, a banda não deixa passar a chance de atualizar certas letras, como ao citar ex-presidente em “Nome aos Bois”, e – com a bola quicando na grande área – a Covid-19 em “O Pulso”.

A bruxa está solta para os lados de Joaquim Cláudio “Branco” Mello. Operou recentemente outro tumor, desta vez na língua. Se um dos únicos três titãs ainda na ativa, fora desse encontro, se desfalca momentaneamente de sua voz, faz valer uma resiliência a lá Joseph Klimber: não desiste nunca e, na medida do possível, faz o que pode, assumindo o baixo da banda no set acústico, sacrificando alguma música aqui e acolá. Enfim, participa com comedimento. Mas brilha fácil num dos grandes hits da banda, “Flores”, que obviamente leva sua voz. E igualmente não há tempo ruim para nosso amado ruivão, José Fernando dos Reis, músico coringa, que assume vozes e violões no mesmo set, e arregaça no seu antigo baixo Factor, que foi sua marca registrada em seu período na banda.

Não poderia faltar homenagens ao falecido Marcelo Fromer, nos arrancado abruptamente em 2001. E esta tem tomado forma com sua filha Alice Fromer nos vocais de “Toda Cor” e “Não Vou me Adaptar”. Tem se saído melhor nessa leva de shows do segundo semestre, onde está bem mais segura do que está fazendo.


A questão peso nem fez falta. Falta mesmo fizeram músicas do disco Titanomaquia. Podiam ter corrigido isso depois do longo giro que fizeram nos últimos meses. Imagina uma “Nem Sempre se Pode ser Deus” ou “Será Que é Isso Que Eu Necessito”, mescladas neste setlist? Ou mesmo a faixa-título do disco seguinte, “Domingo”. O acústico de 1997 foi amplamente contemplado com “Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus” e “Epitáfio”.

Titãs é um negócio tão heterogêneo, para o bem ou para o mal, que eles conseguem fechar o set normal com uma sequência de ‘pancadas’ começando com, pasmem: “Porrada”, a canção, emendando com a mais coverizada dos saraus de colégio dos anos 80 e 90, “Polícia”, a ode as vogais “AAUU” e óbvio, “Bichos Escrotos”. Aí você pensa que c’est fini, e arrematam com a trinca pop: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”. A única pergunta é: dá para voltar ao normal, com a formação Sérgio-Branco-Tony, completados por Mario Fabri e Beto Lee, depois de um ano de grandes clássicos e seres humanos tão brilhantes fazendo parte desta comemoração?


Veja a galeria de fotos do show (Titãs Encontro/ RJ):



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