Por: Dainelle Barbosa
As três bandas uniram forças para lotar a Fundição Progresso e agitar centenas de jovens. Ventre e Menores Atos, grupos independentes de rock, se juntaram ao trio.
Nostalgia talvez fosse a palavra que mais encaixasse para descrever o que aconteceu no último sábado (2) na Fundição Progresso. Exceto pelos rapazes de Brasília da Scalene – que estão no auge da popularidade com o grande público após vice-campeonato na segunda temporada do programa SuperStar (2015) -, Fresno e Nx Zero vivem um momento mais maduro de suas carreiras, sem perder o ânimo de pegar a estrada, levantar a bandeira do rock nacional e trazer uma mensagem revigorante em suas composições. As duas bandas já têm espaço na mídia chamada “mainstream” há mais de dez anos, com vários discos lançados e fãs fieis que lotam os locais por onde passam.
A madrugada de sábado para domingo foi barulhenta e agitada na Fundição Progresso, importante casa de shows na Lapa. Mas antes, pouco depois dos portões terem sido abertos, os cariocas da Ventre e Menores Atos lideraram o “esquenta” da noite no Palco São Sebastião, com muita atitude e energia. Os dois grupos são a prova viva que a cena do rock ainda vive e se reinventa a cada dia. O público, apesar de não conhecer completamente o repertório dos músicos, recebeu bem os meninos e curtiu o som enquanto aguardava o início dos trabalhos no palco principal.
Neste meio-tempo, o DJ empolgou a plateia com sucessos do Arctic Monkeys, Red Hot Chili Peppers, Linkin Park, Charlie Brown Jr., Paramore, Of Monster and Men, Legião Urbana, dentre outros. A galera, que se divertiu dançando e cantando durante a meia hora de pausa entre o show de abertura e o início da apresentação da Scalene, já ocupava quase que totalmente as arquibancadas e enchia boa parte da pista, ansiosos para as atrações da madrugada.
O som pesado da Scalene
Quase sem atrasos, os brasilienses da Scalene subiram ao palco principal da Fundição às 0h08 ao som de “Histeria”, do disco “Éter” (2015). Na recente trajetória da banda do Distrito Federal, formada por Gustavo Bertoni (vocais/guitarra), Tomas Bertoni (guitarra), Lucas Furtado (baixo) e Philipe “Makako” (bateria) em 2009, há ainda dois EPs e outro álbum de estúdio, o “Real/Surreal” (2013).
Na sequência e sem interrupções, a banda emendou com o excelente som “Nós > Eles”, sempre bastante aguardado pelos fãs. Há que se dizer que vários trechos da composição chamam a atenção e evidenciam o viés político e engajamento da banda com temáticas que venham do Planalto. E não poderia ser diferente, sendo os rapazes de Brasília, certo?
“Boa noite, Rio! Faz barulho!”, pediu o vocalista Gustavo, emendando com “Sublimação” e “Surreal”, trazendo o público de vez pra si. O cantor, bastante assediado pela galera, mostrou bastante desenvoltura e presença de palco, além de uma voz potente nos “screamos”. Sob outro ângulo, o que se via era uma concentração de fãs muito vibrantes a cada acorde tocado pelos artistas. “Vocês são fo** pra caral**”, elogiou o músico com um sorriso no rosto.
Apesar de ter privilegiado os álbuns “Real/Surreal” e “Éter”, teve espaço para som novo na setlist. A canção “Inércia”, que faz parte do novo EP da Scalene e que será lançado neste ano, é mais uma composição com uma letra fortemente inclinada ao momento de crise política que o Brasil passa. “Música nova, problemas velhos. Fiquei feliz com quem sabia cantar”, relatou Gustavo.
Já da metade pro fim da apresentação, rolou um combo das duas versões de “Sonhador” (parte I e II), sob palmas e coro no refrão. A seguir, “Ilustres Desconhecidos”, a emblemática “Náufrago” e a mais sentimental da noite, “Nunca Apague a Luz”.
Uma pausa para os dois momentos mais fofos do show da Scalene: o técnico de som da banda foi homenageado com um sonoro canto de “parabéns” de uma casa lotada e, pasmem! O produtor da banda foi convidado ao palco e a grande surpresa veio: um pedido de casamento frente à centenas de jovens. Felizmente, a moça aceitou e todos aplaudiram e festejaram a felicidade do casal.
De volta ao rock, o melhor foi deixado pro fim: “Tiro Cego”, “Loucure-se”, a sombria “Danse Macabre” e “Legado” fecharam a apresentação após cerca de uma hora de show com chave de ouro. “Muito obrigado de coração, Rio!”, se despediu o vocalista, deixando o palco livre para o próximo grupo da noite, a Fresno.
Alguns fatos resumem o show da Scalene:
– O público acolheu o som pesado e letras fortes da Scalene, e demonstrou isso cantando junto e pulando a todo instante.
– A banda, apesar de jovem, já mostra um som consolidado e posicionamento forte no cenário do rock nacional. Bom pra todos nós!
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As composições que emocionam da Fresno
Era a vez de a Fresno subir ao palco. Das três bandas da noite, a que tem a história de vida mais longa: desde 1999. O grupo de Porto Alegre, formado atualmente** por Lucas Silveira (vocais/guitarra), Gustavo Mantoni, o Vavo (guitarra/backing vocals), Mario Camelo (teclado), Tom Vicentini (baixo) e Thiago Guerra (bateria), era um dos mais aguardados do público presente na Fundição Progresso. Também, pudera, mais de 15 anos de estrada, seis álbuns de estúdio, um DVD ao vivo (lançado em 2014), quatro EPs, além de inúmeros hits, indicações e estatuetas de premiações nacionais de música (como o VMB, Rock Show, Prêmio Multishow, etc).
O show, marcado inicialmente para as 1h30 da madrugada de sábado para domingo, atrasou cerca de 20 minutos para começar, o que gerou inquietação em parte dos fãs. Gritos de “É a melhor banda do Brasil, Fresno!” ecoavam pela casa, quando os gaúchos finalmente abriram o show com “À Prova de Balas”, do recém-lançado EP “Eu Sou a Maré Viva” (2014), já emendando com “Die Lüge”, do álbum “Revanche” (2008).
“Boa noite, Rio de Janeiro! Tudo bem com vocês?”, fez o primeiro contato com a plateia o “cabeça” da Fresno, Lucas Silveira. Logo após, a canção “Manifesto” (uma parceria da banda com Emicida e Lenine) trouxe um ar de tranquilidade e a letra bastante sensata comoveu aos presentes.
“É incrível, ver uma casa assim completamente tomada de loucos que acreditam no Rock ‘n Roll”, disse Lucas, ao introduzir a canção “A Minha História Não Acaba Aqui”, acompanhada com atenção e entusiasmo.
Aliás, o nome da canção traz um gancho de um ponto interessante a ser levantado. O som da Fresno não é só o que perdura há mais tempo na estrada, mas também é o que mais se transformou ao longo dos anos. Se no começo da carreira a banda era muito criticada pelas letras excessivamente desiludidas, sentimentais e vibe “emo”, hoje em dia esses conceitos são um pouco diferentes. É bem verdade, não dá pra esconder que houve um pré-conceito e pré-julgamento e muitos já torceram o nariz ao ouvir falar da banda, dizendo que a mesma não duraria muito. Foi um dos assuntos comentados por Lucas no show, inclusive. Segundo o cantor, nesses 16 anos de história, há pelo menos 14 ele já ouve que a banda irá acabar no ano seguinte. Ele prosseguiu, afirmando que isso dá um gás a mais e eles pensam em “fazer essa parada cada vez maior”.
Atualmente, no entanto, a Fresno passa por uma revolução (e evolução) no som que apresenta ao público e crítica. Ao invés do teor das letras ser basicamente relacionamentos mal sucedidos, as temáticas abordadas a partir de 2010 tratam dos mais variados assuntos. Dentre eles, superação, conquistas e problemáticas sociais, sem esquecer das raízes melódicas do grupo.
Voltando ao show, uma sequência de arrasar o coração dos “fresnéticos”, comos se intitulam os fãs da banda. “Desde quando você se foi”, “Eu sei”, “Redenção” (sob palmas), “Diga, parte 2” e “Eu Sou a Maré Viva” pôs lágrimas nos olhos do público, que cantou a plenos pulmões cada verso das canções.
“Em shows que tem muitas bandas, nós falamos menos”, justificou-se o cantor pela interação menor que o habitual até aquele ponto do show. “Mas vocês são fo** pra caral**”, derreteu-se pela plateia. “Essa é a turnê do disco de 15 anos, grita bem alto Rio de Janeiro!”, pediu o cantor, antes de vir com o combo “Milonga”, do álbum “Redenção” (2008) + “Acordar”, tocada pela primeira vez no DVD da banda (2014).
“É uma noite histórica do novo momento do Rock brasileiro. Gostaria de agradecer todas as bandas que estão aqui trabalhando feito ‘formiguinha’ para fazer a coisa ficar maior. Mas nada dá certo sem o apoio de vocês, muito obrigado por levar adiante o nosso trabalho e fazer a gente aprender tanto com vocês. Muito obrigado por serem uma cidade Rock ‘n Roll pra caral**, Rio de Janeiro”, se emocionou Lucas. “Não, não tem fim!”, decretou o músico, que defende com veemência o movimento underground (de onde veio a Fresno) e o surgimento/espaço para novas bandas na cena do rock do país.
“Nós somos a banda Fresno de Porto Alegre, não quero ver sobrar pedra sobre pedra”, disse o artista antes de começar os riffs pesados de “Revanche”, acompanhada desde o início por uma gigante roda punk formada no meio da pista da Fundição Progresso. O público parecia se divertir e o cantor enfatizou: “Acho que essa é a maior roda que eu já vi.”
Na despedida, ficou a certeza de que a banda – já veterana – ainda tem muito a dizer, é capaz de se reinventar e muito do sucesso que a Fresno já alcançou passa pelas mãos e pelo talento de Lucas Silveira, que a cada show surpreende pela entrega, pelo engajamento e amor ao movimento rock.
Em 1h de show, o grupo não desapontou seus fieis escudeiros e deixou um gostinho de “quero mais”, afinal a banda não se apresenta com tanta frequência na capital fluminense e a saudade que os cariocas estavam dos gaúchos ficou evidente ao observar os sorrisos estampados e olhares emocionados de muitos dos jovens dentro da Fundição Progresso. Vida longa à Fresno!
** Vale citar que a formação da banda já foi alterada algumas vezes, sendo a passagem do músico Rodrigo Tavares (de 2006 a 2012) a mais marcante dentre as idas e vindas dos membros da Fresno. Os músicos Lucas Silveira e Gustavo Mantoni são os únicos remanescentes da formação original.
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A maturidade musical do NX Zero
O NX Zero encerrou a madrugada de rock, sendo a atração principal do festival recheado de rock nacional de boa qualidade. A banda, fundada em São Paulo em 2001 por Di Ferrero (vocais), Gee Rocha (guitarra/backing vocals), Dani Weksler (bateria), Caco Grandino (baixo) e Filipe Ricardo (guitarra), subiu ao palco da Fundição Progresso com o relógio marcando 3h30 ao som de “Modo Avião”, do trabalho mais recente dos paulistas. O público se manteve firme esperando pelos rapazes, sem arredar pé da casa e foi recompensado com um espetáculo à altura.
O grupo, também experiente na estrada, já lançou sete álbuns de estúdio e trouxe o trabalho do disco “Norte” (2015) como principal foco desta apresentação no Rio. Isso causou certo desconforto, já que uma das aclamadas canções do NX Zero ficou de fora, “Razões e Emoções”. Mas o setlist enxugado pode ser explicado por se tratar de uma reunião de três bandas em uma única noite, portanto não seria possível montar o repertório perfeito e que atendesse a todos os pedidos dos fãs. Além disso, ficou evidente que a prioridade era o CD “Norte”. Seria injusto dizer que não houve esforço dos músicos em acoplar um pouco do trabalho mais consagrado com os mais recentes em pouco mais de uma hora e meia de apresentação.
Isso significa afirmar que os sons mais antigos não foram completamente deixados de lado pela banda. Dentre a listagem de músicas escolhida pelos artistas, não faltou as populares “Só Rezo”, “Maré”, “Cedo ou Tarde”, “Hoje o Céu Abriu”, “Não é Normal” e “Onde Estiver”, “Meu Bem” e “Vamos Seguir” (do EP “Estamos no começo de algo muito bom, não precisa ter nome não”, 2014), todas cantadas em um coro em uníssono. Apesar da falta de canções emblemáticas da história do NX Zero, nada desmerece a apresentação do grupo na Fundição Progresso. Muito pelo contrário. Os rapazes encerraram os trabalhos de maneira incrível e com uma energia de impressionar.
Assim como a Fresno, o NX Zero foi uma das precursoras do movimento “emocore” no Brasil e já foi muito subestimado por isso. Mais maduro pessoalmente e profissionalmente, Di Ferrero conduziu a banda que lidera a uma nova fase, mais evoluída. Da iluminação e cenário às composições, tudo parece diferente nesse “novo” NX Zero. Inclusive o visual dos músicos. Quem não lembra dos penteados e franjinhas que os artistas adotavam?! Contudo, o que não muda é a essência. Ao ouvir as melodias e o jeito despojado e relaxado (no sentido despreocupado) da banda ao se apresentar nos remete àqueles meninos de 2004 – quando foi lançado o álbum “Diálogo” –, ainda adolescentes na época.
O próprio cenário de fundo do show chamou a atenção pela beleza cenográfica que deu ao espetáculo. Tratava-se de uma seta luminosa apontando para o Norte remetia à capa do novo disco da banda. Claro que não poderia faltar canções que honrassem a cenografia, certo? A ótima “Pedra Murano” e a cheia de swing “Vibe” não fizeram feio e a plateia acompanhou com palmas, gritos e muita cantoria.
Pra fechar a madrugada com chave de ouro, já passando das cinco da manhã, uma justíssima homenagem à Chorão e Champignon (do Charlie Brown Jr.) fez com que muitos se emocionassem ao entoar “Dias de Luta, Dias de Glória” junto com Di Ferrero.
A maratona terminou ao amanhecer com o astral lá em cima e uma única mensagem no ar: o rock nacional não morreu!
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