Por Gustavo Franchini
Celebrando o aniversário de 50 anos do clássico álbum Burn (1974), que marcou a entrada do baixista e vocalista Glenn Hughes no monumento chamado Deep Purple, o prolífico músico inglês resolveu voltar ao Brasil para uma série de shows em diversas cidades e, claro, o Rio de Janeiro não poderia ficar de fora. Afinal, como se observou na casa de shows Sacadura 154, o público compareceu em massa para conferir uma das apresentações mais generosas do ano de um dos maiores nomes do classic/prog rock.
‘Generosa’ pelo fato de que, mesmo tendo cancelado o show em Curitiba na semana passada devido à recomendação médica (por conta de um forte resfriado), o músico de 72 anos de idade, ainda se recuperando de uma situação que afeta principalmente sua performance na voz, se esforçou do início ao fim para entregar um espetáculo à altura dos fãs cariocas que esperavam uma nova passagem de Hughes desde 2018. E, de fato, entregou muito mais do que o esperado! Por incrível que pareça, em nenhum momento parecia que o senhorzinho tão simpático e talentoso estava cansado ou se poupando, muito pelo contrário, a todo momento agitava no palco pra lá e pra cá, cantava praticamente todas as linhas vocais difíceis e sustentava notas como o fez em todas as apresentações anteriores.
Vale ressaltar que desta vez o baixo foi o protagonista, ainda que disputando espaço com a potente voz única de Hughes, seja em improvisos espontâneos, seja no aprofundamento das frases do instrumento já conhecidas, o que tornou tudo ainda mais com cara de ‘jam’. Tal característica foi reforçada pelos inúmeros solos dos músicos que o acompanham na turnê (que, por sinal, estão bem entrosados e parecem encaixar perfeitamente com a lenda viva) e também ao alongar a duração de algumas canções. O competente guitarrista Søren Andersen, o animado e técnico baterista Ash Sheehan e o feeling ‘Jon Lord’ do tecladista Bob Fridzema completam a cozinha que se propôs a tocar clássicos que deram certa sensação de Déjà Vu aos cariocas.
Isso se deve ao fato de que o setlist desta turnê foi praticamente uma extensão da turnê anterior, visto que as duas músicas que não estavam presentes em 2018 foram a menção de “High Ball Shooter” em uma dobradinha que começa e termina na “You Fool No One” (no outro show foi com a dupla “Smoke on the Water/ Georgia on My Mind”), além de “This Time Around”, que não estava na atual. Todas as outras foram relembradas do repertório de 2018. Não à toa Hughes disse, ao final do show, que este ano seria o último celebrando exclusivamente esta fase do Deep Purple, já que ano que vem ele informou que vai focar em sua carreira solo e projetos grandiosos como o lançamento de novo álbum do supergrupo Black Country Communion (além de Hughes, as outras estrelas são Jason Bonham, Derek Sherinian e Joe Bonamassa).
Então, enquanto os fãs podem aproveitar esta maravilhosa celebração da fase MKIII (com os discos Burn e Stormbringer), deixando claro que não se restringiu só a este período (tivemos a fase MKII e MKIV também representadas), o espetáculo tinha um resultado bem óbvio: aplausos, alegria, cantorias do público a todo momento e muita reciprocidade com o frontman. É uma honra poder fazer parte de uma noite tão especial, na qual o respeito se mostrou constante durante todo o show. Ninguém da plateia falando bobagem, tentando subir ao palco, arrumando briga ou interrompendo os discursos de Hughes, que contavam histórias ou apenas agradeciam aos brasileiros por serem tão amorosos com ele. Um show que atinge uma faixa etária bem diversificada, no qual pude observar idosos, crianças e adolescentes, jovens adultos e de meia-idade, todos juntos pela boa música, considerando as gerações afetadas pelo brilhante trabalho de sua carreira tão longa, que inclui álbuns também com Trapeze, Black Sabbath e outros grandes nomes da música mundial, não tinha como ser diferente.
Abrindo a empolgação já presente de imediato, a estupenda “Stormbringer” (do álbum homônimo de 1974) chega agitando a casa a ponto de quase tremer o chão, emendando rapidamente com “Might Just Take your Life”. Em uníssono “Sail Away” está com a letra na ponta da língua mesmo de quem nem sequer fez um cursinho de inglês e, como um intervalo para as pessoas relaxarem e consumirem comida/bebida, a dobradinha já citada anteriormente (“You Fool No One/ High Ball Shooter”), contando uma verdadeira ‘jam’.
Para levantar com força total, a emocionante “Mistreated”, disparada a melhor de todas, seguida da embalada de soul music/funk “Gettin’ Tighter”, uma homenagem ao falecido amigo e guitarrista Tommy Bolin do subestimado Come Taste the Band (1975). A cadenciada “You Keep On Moving”, presença certa em todos os shows de Hughes (até por ser uma de suas três contribuições registradas em composição do álbum), contou com coros do público e encerrou com maestria esta fase do repertório.
Como não poderia deixar de ser, o rock’n’roll absoluto de um dos maiores hits do Deep Purple, na voz originalmente de Ian Gillan, a suprema “Highway Star” é prenúncio do bis. Para fechar a apresentação depois de um breve intervalo, a mais aguardada de todas: “Burn”. E aí a casa vira puro êxtase, todos pulando, cantando, jogando cerveja pro alto, uma felicidade contagiante que mostra como o baixista e vocalista coloca toda a sua alma em tudo que faz. Obrigado, Hughes! Os cariocas esperam ansiosamente pelo próximo show. Vida longa à Voz do Rock!
* A música “You Fool No One” foi tocada em formato dobradinha com “High Ball Shooter”
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