Por Danielle Barbosa
A banda californiana de punk rock voltou às origens e fez um espetáculo memorável no Rio.
“O punk está vivo!”, essa deve ser a exclamação a ser evidenciada neste texto.
O Green Day, formado por Billie Joe Armstrong (vocais/guitarra), Tré Cool (bateria) e Mike Dirnt (baixo), fez valer palavras como “atitude” e “energia”, características do gênero musical, em passagem pelo Brasil com a turnê Revolution Radio Tour, do álbum homônimo. No Rio de Janeiro, a apresentação ocorreu na véspera do feriado, na última quarta-feira, 1. A Jeunesse Arena, na Barra da Tijuca, abriu as portas para um público extremamente saudosista e disposto a se ‘jogar’ durante mais de duas horas de muito rock n’ roll! O sentimento de reencontro entre fãs e ídolos e toda a expectativa gerada no pré-show podiam ser explicados pela ausência de sete anos do trio no país, desde a turnê “21st Century Breakdown”, que aconteceu em 2010, no mesmo local.
Os experientes norte-americanos não economizaram em energia e piruetas em cima do palco, dando inveja a muita banda mais nova por aí. No auge de seus 45 anos, Billie Joe Armstrong é um exímio frontman, cofundador da banda ao lado de Mike Dirnt e o membro mais velho do grupo, que tem dois de seus três integrantes ativos desde o surgimento do Green Day, em 1987. O simpático baterista Tré Cool, de visual inconfundível, entrou para o time em 1993 e, desde então, participou de 10 dos 13 álbuns de estúdio lançados pela banda, incluindo o primeiro grande estouro, “Dookie” (1994); o disco mais conceituado da banda até hoje, o “American Idiot” (2004) e, mais recentemente, o “21st Century Breakdown”, que – ao ser lançado em 2009 – trouxe novamente os holofotes para os californianos.
Nos 30 anos de carreira e estrada, os músicos já conquistaram cinco Grammy Awards, uma coleção de hits no topo das principais paradas musicais e o nome incluído no Rock and Roll Hall of Fame, um conceituado museu em Cleveland, nos Estados Unidos. Além disso, quase 90 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo e seguidores realmente apaixonados e fieis. Todos esses elementos, por si só, já dariam razões o suficiente para que as quatro apresentações do Green Day pelo Brasil – no Rio, em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre – tivessem atenção da mídia e fossem um dos grandes shows confirmados e aguardados nessa leva pós-Rock in Rio, que incluiu U2, Paul McCartney e Coldplay.
Pouco antes das 22h, o coelho-mascote do grupo dançava percorrendo todo o stage com um figurino bastante curioso – que tinha dizeres como “Who the Fuc* is Tré Cool?”, ou “Quem diabos é o Tré Cool?”, em bom português. Essa abertura já é clássica e uma forma do trio de dar as boas-vindas ao público antes de subir ao palco, com o som no fundo com clássicos do rock, como “Bohemian Rhapsody”, do Queen, “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones, e “The Good, the Bad and the Ugly”, de Ennio Morricone.
Assim que a música baixou, os primeiros acordes de “Know Your Enemy” entoaram na arena e os três músicos de Berkeley foram recepcionados calorosamente, com muitos gritos histéricos e palmas. Com toda energia que um bom show de punk rock exige, Billie Joe Armstrong assumiu as rédeas da apresentação desde o começo e não deixou o controle do rumo do show fugisse em nenhum momento. Logo de cara, chamou um rapaz para o palco e propôs que ele se jogasse na galera, o que foi feito e já colocou ‘fogo’ na plateia, que começou a organizar focos de mosh pits entre as pistas Premium e comum. No chão, as pessoas continuaram pulando e ‘batendo cabeça’ na sequência, que veio com “Bang Bang” e “Revolution Radio”, duas faixas do novo álbum. No palco, a pirotecnia não fez por menos: labaredas de fogo, fogos e cortinas de luzes.
A levada da noite foi toda seguindo a mesma premissa: a de estimular os ânimos do público a todo instante, incitando-os a que participassem mais, se ‘jogassem’ mais, se divertissem realmente, como manda o figurino de um show de rock e cenário ideal para qualquer artista. A coesão e harmonia entre Billie Joe, Mike Dirnt e Tré Cool enquanto estão no palco são dois pontos fundamentais para que essa premissa se concretize. Ainda que o centro das atenções seja o vocalista – o que já é naturalmente um fato -, seus companheiros de banda não passam despercebidos e fazem valer de atitude e carisma, o que também atrai carinho dos fãs. Em diversos momentos, Mike chegou perto das pessoas e interagiu com um sorriso ou aceno. Mais discreto que Tré Cool, é claro, que foi mais ‘espalhafatoso’ em seu contato com a galera, o que lhe é característico e já aguardado pelos fãs.
Mas é impossível não mencionar o carisma e disposição de Billie Joe Armstrong. E, por que não, a destreza também? Claramente, um showman! Em uma setlist longa, com mais de 25 músicas, ele não deixou a intensidade cair em nenhum momento – a não ser propositalmente, nos momentos acústicos e mais intimistas da apresentação. Bastante confortável com os fãs brasileiros, o astro de 45 anos percorreu toda a extensão do palco, com corridas que iam da direita à esquerda ao avancé, estrutura acoplada para trazer o artista mais perto de seu público. Se houvesse um manual que ensinasse como ser um bom ‘homem de frente’ e representante de uma banda, tudo o que Billie Joe fez na noite do dia 1º estaria listado. Pedidos de pulos e pra galera ir à loucura? Sim, teve! Gritos de “Hey!” e conduções de longos coros e palmas coordenadas? Também. Trazer fãs para o palco e tratá-los de maneira amorosa? Não podia faltar. Fazer menção sobre o quanto estavam felizes de estar no Brasil? Lógico! E, claro, vale citar toda a malandragem de se enrolar inúmeras vezes na bandeira do Brasil, ganhando o coração de todos os presentes.
Toda a experiência do retorno do Green Day ao Brasil foi energizante, contagiante e única. O único inconveniente, no entanto, foi a má equalização do som nas cinco primeiras músicas, até “Letterbomb”. Com os graves sobrepondo as outras frequências sonoras, mal se podia entender o que o músico falava. O problema foi sentido de forma tão aguda que, em dado momento, Billie Joe chegou a tirar o retorno do ouvido e cantou “às escuras”. Ponto pro cantor, que não desafinou e soube lidar com o incidente técnico sem alardes. Experiência conta muito nesses casos, né?
Com a acústica visivelmente melhor, “Boulevard of Broken Dreams” teve um início inteiro a capella, que chegou a arrepiar. As pessoas tinham, definitivamente, a letra ‘na ponta da língua’. Não é pra menos, um hit de 2005, com quase 180 milhões de plays no Youtube… A iluminação, não extravagante, cumpriu o seu papel de deixar o foco em Billie Joe. Já em “Longview”, que veio na sequência, o ponto central foi um fã com pinta de ‘rockstar’. O rapaz, ao subir ao palco, fez o que todos gostariam de ter feito: abraçou os ídolos, tomou conta do microfone, ajoelhou no chão e fez o tradicional – e clássico – pulo da bateria no fim da canção, que é uma das mais queridas do “Dookie”, ao lado de “She”, “Welcome to Paradise” e “Basket Case”, que também figuraram no set.
Os ‘mosh pits’ ou popularmente nomeadas ‘rodinhas punk’ se formaram pouco a pouco, a medida em que o show se desenvolveu, até que viraram grandes – e vários – focos de concentração de público por toda a casa. Uma atração à parte, inevitavelmente. Para quem está dentro, é ir se jogar – literalmente – de cabeça, ombros e corpo inteiro, sem medo de levar tombos. Quem está de fora por ter um certo receio de participar, se diverte e aproveita pra filmar o momento. O fato é que elas foram o tempero especial do show do Green Day e, pelos abraços e lágrimas que as pessoas trocaram no fim do bis, formaram laços e criaram lembranças marcantes para os envolvidos.
Toda a atmosfera de confraternização que se via entre as pessoas era em decorrência da presença e atitude dos músicos. O cuidado com os detalhes fez com que o Green Day não pecasse pela falta de atrativos não-musicais, digamos assim. Em “2000 Light Years Away”, Billie Joe se utilizou de um jato para brincar com os fãs e jogar água em todo mundo. Antes disso, ele incitou os fãs para saber qual dos dois lados era mais animado, o direito ou o esquerdo. A ‘vibe’ estava tão boa que o que poderia ser encarado como algum incômodo foi mais um elemento da festa. Enquanto as pessoas se refrescavam com o jato d’água, o músico atirou algumas camisas do merch oficial da turnê para alguns sortudos da plateia.
“Te amo, Rio de Janeiro!”, exclamou o cantor, que ainda se arriscou a rebolar, mostrou habilidade ao tocar guitarra ‘de costas’ e surpreendeu ao dar uma palhinha na gaita. Como o velho ditado diz, Billie Joe não é apenas “um rostinho bonito”. O sorridente músico de belhos olhos verdes, apesar de não ser tão alto, se agiganta quando está no comando das ações num palco. “Viva, Brasil”, disse em bom português, para delírio de todos.
Política e orgulho LGBT:
Na 14ª música do set, Billie Joe – que é assumidamente bissexual – levantou a bandeira LGBT junto com a do Brasil, para aplausos do público. Ele emendou em um discurso absolutamente politizado, com fortes críticas ao racismos, sexismo e a homofobia. Tudo isso direcionando o foco principal para o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Nós precisamos de mais amor, mais esperança… Não ao fascismo, não ao racismo, não ao sexismo e não a Donald Trump”, disse em tom firme, e o público – em sua maioria – aprovou e entoou gritos de “Fora, Temer!”. Cabe ressaltar que coros de ordem indo contra o presidente em exercício no Brasil têm sido comuns na maioria dos shows ou eventos que reúnem uma grande quantidade de pessoas.
Destaques – homenagem ao Rio, fã ganha guitarra e encerramento apoteótico:
Todos os três membros de frente do Green Day já passam dos seus 40 anos, mas parecem crianças no quesito empolgação e inovação nas brincadeiras. Após o sucesso “Basket Case”, o palco da Jeunesse Arena virou uma festa de Carnaval. Fantasiados e com acessórios um tanto quanto divertidos – Tré Cool estava com um apetrecho na cabeça bastante usado em desfiles carnavalescos, Billie Joe de policial e Mike Dirnt, mais uma vez, o mais discreto dos três: uma simples máscara carnavalesca. A descontração que estava no ar em “King for a Day” só não superou a homenagem que a banda trouxe especialmente para o Rio de Janeiro. Um saxofonista, trajado como um faraó, tocou a introdução de “Garota de Ipanema”, canção tipicamente carioca, de Tom Jobim. Billie Joe chegou a parar na bateria, inclusive, enquanto o músico da função rodopiava e fazia suas graças. É muito amor, né?
As surpresas não pararam por aí. “Knowledge”, cover de Operation Ivy, foi o momento mais ‘amorzinho’ da noite. Uma fã sortuda, que atende pelo nome de Sarah, foi convidada a subir ao palco após o convite de Billie Joe para que alguém tocasse a sua guitarra. Para a menina, foi o momento da vida, uma oportunidade de ouro e da qual provavelmente jamais esquecerá. Paciente e amoroso, o frontman ensinou a garota a tocar um trecho da música e foi bastante receptivo aos abraços e beijos que ela teve de dar nos três músicos. Quem não faria o mesmo que ela, né? No fim, Sarah levou – além das lembranças de seus dois ou três minutos no palco com a banda que é fã – uma guitarra de presente pra casa. Que incrível!
“She”, acompanhada por um telão de LED ao fundo com “Green Day” em letras coloridas piscando, “Still Breathing” e “Forever Now” vieram ainda antes do bis. No intervalo entre essas, deu tempo para Billie Joe vestir um colete jeans igualmente com o nome da banda nas costas e puxar palmas e mãos balançando no medley dos covers “Shout”, “Always Look on the Bright Side of Life”, “(I Can’t Get No) Satisfaction” e “Hey Jude”. Deitado no piso do palco, bem coladinho da plateia, sentindo a energia vibrar e tomar conta do espaço.
Enquanto Billie Joe regia as palmas e os coros como bom maestro que foi, uma cortina de LED deu um visual todo especial para o encerramento de uma parte do set. “Muito, muito obrigado, Rio de Janeiro!”, agradeceu o vocalista, saindo de fininho – e acompanhado do restante do grupo – pela lateral do palco.
Que o show não havia terminado, era óbvio. Como não teria “American Idiot” ou “Jesus of Suburbia”? Os gritos de “Olê, olê, olê, olê, Green Day, Green Day” ecoaram forte mesmo assim, quase como um chamado para que os músicos voltassem logo. Atendendo aos pedidos clamorosos dos fãs, eles voltaram, e aí sim: detonaram o que faltava – justamente com as duas músicas mais porradeiras e ‘a cara’ do Green Day! “American Idiot” e “Jesus of Suburbia” foram, certamente, as músicas menos filmadas na última quarta-feira no Rio. Os mosh pits ficaram enormes e a quantidade de amigos se abraçando e berrando os refrões foi sensacional. Um hino é um hino, né?
Trazendo uma calmaria e com aquela pitada de deixar a vontade de quero mais no público, dois hits de arrasar os corações de qualquer um: “21 Guns”, que substituiu a também suave “Wake Me Up When September Ends”, e “Good Riddance (Time of Your Life)”. Lágrimas por todo lado. Lágrimas de satisfação. De realização. De uma banda que sabe fazer o ‘ao vivo’ valer a pena. Por mais que a internet tenha aberto inúmeras possibilidades de aproximação entre fãs e ídolos, o que aconteceu ali foi singular. “O punk está vivo! E vida longa à ele!”
Setlist:
1. Know Your Enemy
2. Bang Bang
3. Revolution Radio
4. Holiday
5. Letterbomb
6. Boulevard of Broken Dreams
7. Longview
8. Youngblood
9. 2000 Light Years Away
10. Hitchin’ a Ride
11. When I Come Around
12. Welcome to Paradise
13. Minority
14. Are We the Waiting
15. St. Jimmy
16. Knowledge (Operation Ivy cover)
17. Basket Case
18. She
19. King for a Day c/ trecho de “Garota de Ipanema” no saxofone
20. Shout / Always Look on the Bright Side of Life / (I Can’t Get No) Satisfaction / Hey Jude
21. Still Breathing
22. Forever Now
Bis:
23. American Idiot
24. Jesus of Suburbia
25. 21 Guns
26. Good Riddance (Time of Your Life)
VEJA A GALERIA DE FOTOS DO SHOW:
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