Por: Carla Maio
Um final de ano carregado de surpresas. Depois de conferir boquiabertos ao show do New Order na última semana no Espaço das Américas, os fãs assistiram na noite desta terça-feira (6) show do baixista Peter Hook, que trouxe para o público do Cine Jóia nada mais nada menos que a íntegra dos dois volumes da coletânea Substance, um deles lançado em 1987 e dedicado ao New Order, e o outro ao Joy Division, lançado em 1988.
Depois de passar pelo Rio de Janeiro e Porto Alegre, Peter Hook e a banda The Light, composta pelos músicos Peter David Potts (guitarra e vocais), Paul Kehoe (bateria), Andy Poole (teclados) e seu filho, Jack Bates (baixo), revestiram o antigo bairro nipônico da Liberdade com os bons ares da roqueira Manchester.
Hook, um selvagem
Enquanto conceito filosófico-literário, determinismo significa que o meio determina o homem. No palco, em meio às vísceras musicais que o definem, Peter Hook é um selvagem, que explora instintos animalescos e contagia o público com sua ira absurda.
Essa selvageria levou os fãs ao êxtase; foram quase 3 horas de show, que passaram despercebidos, tamanha a satisfação e sensações indescritíveis, causadas pelo repertório.
Na primeira parte do show, que durou cerca de 1h20, Hook apresentou músicas do New Order. Para delírio dos fãs, que enlouquecidos tentavam agarrá-lo a cada aproximação que o baixista fazia para perto da plateia, o show começa pesado, com as marcações da bateria em “In a lonely place” e ao mesmo tempo animado, nos deliciosos acordes de “Procession”, espécie de chamamento que se concretiza no refrão “hello, hello, hello, hello” e que explode num dos muitos gritos bestiais que Hook vai dar ao longo do show; emoção que se intensifica e que fala com nossos corações em “Cries & Whispers” e “Ceremony”, cuja letra, carregada de psicodelia, é de Ian Curtis.
A partir de “Everything gone green”, a herança tecnopop torna-se ainda mais evidente e os fãs respondem muito bem a tudo isso, dançam, pulam, gritam, interagem com as músicas e fazem como na letra de “Temptation”, para cima, para baixo, girando, com muito alto astral.
“Blue Monday é emblemática e compõe junto com “Thieves like us”, “The perfect kiss”, “Shellshock”, “Bizarre Love Triangle”, “True faith” e “1963” um conjunto de músicas que te transportam diretamente de volta ao passado, legítimas trilhas sonoras da nossa vida.
Nesse reviver de memórias, embaladas por composições b-sides do Substance, Alexandra Freitas, de 43 anos, recorda de sua juventude em sua terra natal, Iacanga, interior de São Paulo: “Lembro-me de quando tinha 15 anos, de minha família, do meu pai que faleceu e do meu amigo Marcelo, com quem passava longas tardes escutando New Order, sem dúvida, essas músicas fizeram parte de uma das melhores épocas da miha vida”.
Um show para iniciados
O show apresentado na noite desta terça-feira no Cine Jóia foi, sem dúvida, um encontro de iniciados, aquelas pessoas com entendimento que vai muito além dos grandes hits do New Order e do Joy Division.
O intervalo que separou a primeira e a segunda parte durou pouco mais de dez minutos e trouxe de volta ao palco um Peter Hook com levadas ainda mais agressivas em seu baixo, composições intensas e poderosas do Joy Division.
“No love lost” e “Isolation”, marcadas por expressões e letras sombrias, permitem que Hook explore ao máximo a sonoridade de seu instrumento. Em “Disorder”, a nova sensação do espírito, como diz a letra, toma conta dos fãs, que logo identificam a música e aos berros começam a cantar.
Na mesma levada pós-punk, plenas dos sintetizadores que invadiram os anos 1980, “Komakino” e “These days” despertam o lado contemplativo dos fãs, que estão ali também para prestar bastante atenção ao que Peter Hook traz para dividir com eles: a potênia magnífica das músicas e letras do Joy Division.
O destaque dessa parte do show fica por conta também de “Leaders of men”, “Digital”, “Autosuggestion”, “Transmission” e “She’s lost control” que foram curtidas à exaustão pelos fãs, satisfação plena, já que cansaço não existia ali e os corpos suados transpiravam energia.
A alucinante “Dead Souls” vem seguida de “Atmosphere”, música com a qual Peter Hook presta considerável homenagem aos jogadores do time Chapecoense e aos jornalistas, vítimas de uma tragédia aérea na semana passada.
Love will tear us apart
Como já era esperado pelos fãs, “Love will tear us apart” foi reverenciada como um grande hino em memória não apenas ao Joy Division e a Ian Curtis, mas também a toda uma geração que se equilibrou a duras penas entre os pós-punk e o synth pop que veio a seguir. “Now, I´ll give you mercy”, anuncia Hook, como quem quer nos livrar de toda a penitência e libertar nossa alma.
Impressionante, do começo ao fim, “Love will tear us apart” termina em meio à volúpia dos aplausos, gritos e choros dos fãs. Hook, então, arranca a camiseta e a arremessa ao público. Na estampa, uma mensagem de esperança e generosidade: “Salve os humanos”; não havia ali sequer um pingo de ironia.
Numa circunferência incrível, a camiseta de Hook topou com a jornalista Yve de Oliveira, de 36 anos, que disputou o prêmio bravamente com uns grandalhões: “Estava em êxtase, não pensei em nada, apenas pulei e agarrei com força. Quando vi, havia dois caras, um puxando de cada lado, mas eu sabia que era minha, foi um presente do Peter Hook que vou guardar como uma lembrança carinhosa desse show incrível”.
O público do Cine Jóia perpetuou o refrão ainda por longos minutos até que as luzes se acenderam. Peter Hook já estava longe dali, levou um pouco de nós, deixou outro tanto, é certo que ele vai voltar.
1 Setlist (New Order)
In a lonely place
Procession
Cries & Whispers
Ceremony
Everything gone green
Temptation
Blue Monday
Confusion
Thieves like us
The perfect kiss
Subculture
Shellshock
State of the Nation
Bizarre Love Triangle
True faith
1963
————————–
2 Setlist (Joy Division)
No love lost
Isolation
Disorder
Komakino
These days
Warsaw
Leaders of men
Digital
Autosuggestion
Transmission
She’s lost control
Incubation
Dead souls
Atmosphere
Love will tear us apart
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